19/09/2016 às 09:17, atualizado em 05/12/2016 às 16:45

Novacap: 60 anos de história candanga

A folha de ponto da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil teve funcionários célebres, como Israel Pinheiro, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Athos Bulcão e Burle Marx. Atualmente, a empresa cuida dos jardins, da manutenção de vias, das calçadas e da poda de árvores

Por Jade Abreu, da Agência Brasília

Quando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) foi criada, em 19 de setembro de 1956, o objetivo era coordenar as obras da construção de Brasília, e, com a inauguração, a empresa seria fechada. Porém, em 1960, nem tudo estava pronto, e ela continuou os serviços. Há 60 anos, a Novacap cuida dos jardins, da manutenção de vias (recapeamento, pavimentação, limpeza de bocas de lobo), das calçadas e da poda de árvores. A companhia teve na folha de ponto funcionários célebres na história candanga: Israel Pinheiro, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Athos Bulcão, Burle Marx.

Iolanda Vilela é um dos 2,2 mil trabalhadores da companhia e em junho completou 50 anos de serviço.

Iolanda Vilela é um dos 2,2 mil trabalhadores da companhia que em junho completou 50 anos de serviço. Foto: Tony Winston/Agência Brasília

Na década de 1950, a empresa chegou a ter 30 mil funcionários, que cuidavam dos serviços urbanos da capital. “Quando eu comecei a trabalhar aqui, a Novacap era responsável por água, esgoto, luz, limpeza, tudo”, conta Iolanda Vilela, de 69 anos. Ela é um dos 2,2 mil trabalhadores da companhia e em junho completou 50 anos de serviço.

[Olho texto=”‘Quando comecei a trabalhar aqui, a Novacap era responsável por água, esgoto, luz, limpeza, tudo.'” assinatura=”Iolanda Vilela, funcionária há 50 anos” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

A companhia foi o único emprego de Iolanda, no qual conheceu o ex-marido, também funcionário da companhia. Do casamento vieram três filhos — um deles também trabalhou no órgão. O primeiro, quando criança, foi paciente do ex-diretor da Novacap Ernesto Silva, que também era pediatra.

Iolanda chegou da Bahia para estudar e trabalhar em Brasília. Ela conta que passou em concurso público para exercer um cargo administrativo na companhia. “Fiquei tão emocionada quando assinaram a minha carteira.” Já aposentada, Iolanda continua a trabalhar porque o salário ajuda a sustentar parte das contas do pai, de 99 anos, e da mãe, de 91.

Ao completar 25 e 35 anos de serviço, os funcionários recebem uma placa comemorativa. Neste ano, 46 servidores serão homenageados pelos 35 anos. No ano passado, por falta de recurso, a solenidade não ocorreu. Nesta segunda-feira (19), os 65 funcionários que não foram premiados em 2015 — tanto pelos 25 quanto pelos 35 anos — também receberão a homenagem. A cerimônia ocorrerá na sede da Novacap (Setor de Áreas Públicas, Lote B), às 8h30.

Conheça um pouco da história da companhia, de funcionários ilustres, de construções da Novacap que se tornaram pontos turísticos e fatos curiosos da história da cidade

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Construções

CONGRESSO NACIONAL

Projetado por Oscar Niemeyer, o palácio do Congresso Nacional serve de plataforma para duas cúpulas: do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Ainda existem duas torres de 28 andares, cada uma pertence a uma das casas legislativas. O Congresso Nacional pode ser visitado todos os dias, das 9 horas às 17h30, com saídas de grupos a cada 30 minutos. As visitas devem ser agendadas no site. Aos finais de semana e feriados, o atendimento é por ordem de chegada. O Congresso está na Praça dos Três Poderes.

Antes e depois da Construção do Congresso Nacional

Antes: Arquivo Público do Distrito Federal. Depois: Tony Winston/Agência Brasília


IGREJA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

O formato da capela, projeto de Oscar Niemeyer, faz referência a um chapéu de freira, e o exterior estampa azulejos de Athos Bulcão. O templo católico, conhecido como Igrejinha, fica na 307/308 Sul. Há missas celebradas de terça-feira a sábado, às 6h30 e às 18h30; e aos domingos, às 7 horas, às 9 horas, às 11 horas, às 18 horas e às 19h30.

Antes e depois da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 308 Sul

Antes: Arquivo Público do Distrito Federal. Depois: Tony Winston/Agência Brasília


TEATRO NACIONAL

Espaço exclusivo para as artes, o Teatro Nacional Claudio Santoro é o maior conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer em Brasília. O teatro está fechado desde janeiro de 2014 para reformas, mas a dificuldade financeira do governo dificultou o andamento das obras.

Antes e depois do Teatro Nacional

Antes: Arquivo Público do Distrito Federal. Depois: Tony Winston/Agência Brasília


ESPLANADA DOS MINISTÉRIOS

A Esplanada dos Ministérios, com 17 blocos, foi projetada por Niemeyer e fica no Eixo Monumental. O local é cenário de eventos e de protestos em Brasília.

Antes e depois da Esplanada dos Ministérios

Antes: Arquivo Público do Distrito Federal. Depois: Tony Winston/Agência Brasília

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Personagens ilustres

ISRAEL PINHEIRO

Para construir uma cidade do nada, era preciso ter uma equipe de peso. Na liderança da Novacap, Israel Pinheiro comandou as obras em Brasília, as estruturas da cidade e administrou 30 mil funcionários. Ele foi o primeiro diretor-presidente do órgão, que até hoje já teve 56 pessoas ocupando o cargo. Com a inauguração da capital, tornou-se o primeiro prefeito de Brasília, cargo que não existe mais. Ele havia sido o primeiro presidente da Companhia Vale do Rio Doce, de 1942 a 1945. O ex-presidente da companhia morreu em 1973.

Israel Pinheiro na construção de Brasília

Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

A postura de Israel foi importante para o desenvolvimento da nova capital. “Sem o Israel Pinheiro, não se teria conseguido fazer [Brasília] em três anos. O Israel Pinheiro que era o realizador. Era o fazendeiro, o engenheiro competente”, disse Lucio Costa, em entrevista para o Arquivo Público do Distrito Federal em 1988.

LUCIO COSTA

Oscar Niemeyer e Lúcio Costa

Oscar Niemeyer e Lucio Costa. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Lucio Costa foi o urbanista de Brasília. Ele idealizou o projeto de superquadras em que 83% deveriam ser de área comum (calçadas, parques, vias etc.) para a população e 17%, de área privada. Com a expansão demográfica, a proporção não ficou como planejada. No entanto, já demonstrava a diferença da nova capital para outras cidades. Em Brasília, a ideia era que os moradores pudessem ter acesso a escola, farmácia, padaria, bibliotecas e templos religiosos dentro da própria quadra.

Para Lucio, a Rodoviária do Plano Piloto é o centro urbano de Brasília. “É que eu tinha concebido essa plataforma rodoviária no Plano Piloto como um centro muito cosmopolita, que era o centro urbano (…)  Era o ponto de convergência, onde eles [as pessoas] desembarcavam, e havia então esse traço de união, era um traço de união da população burguesa burocrata com a população obreira e que vivia na periferia.”

O projeto de Lucio ganhou concurso de 10 de março de 1957 para desenvolver o urbanismo da nova capital. No entanto, Lucio nunca usou o dinheiro do prêmio (2 milhões de cruzeiros). “Então esses três anos de trabalho na Novacap, até inaugurar a cidade, foram muito intensos, e eu nem pensei mais naquele dinheiro que tinha sido depositado”.

OSCAR NIEMEYER

Juscelino já havia trabalhado com Niemeyer quando o chamou para ser o arquiteto da nova capital. Com traços modernistas e fama de comunista, Niemeyer teve carta branca para construir Brasília. “De modo que, eu quando eu olho pra trás e vejo Brasília, eu fico satisfeito. Foi um momento da minha vida de arquiteto sempre correspondendo à minha reação, aos meus desejos de fazer uma arquitetura diferente e ao que ocorria no mundo da arquitetura”, contou, em entrevista para o Arquivo Público do Distrito Federal em 1989.

“Havia um clima de confraternização entre operários, engenheiros. Todos vestidos com as mesmas roupas, comendo nos mesmos restaurantes.” Para Niemeyer, um dos momentos de reconhecimento do trabalho foi quando o arquiteto francês Le Corbusier (considerado o mais importante do movimento modernista) elogiou o trabalho do brasileiro. “… a reação dele foi a melhor possível, que ele subiu a rampa, e disse: ‘Aqui é a invenção.'”

ATHOS BULCÃO

Athos Bulcão em Brasília

Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Se na literatura Athos é um mosqueteiro que, em equipe, faz feitos para a França, em Brasília, o nome não deixa de ser de um personagem emblemático para a história. Athos Bulcão foi funcionário da Novacap de 1957 até 1981 e é o responsável pelos azulejos da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, do Brasília Palace Hotel e pela capela do Palácio da Alvorada — trabalho que inclui a pintura do teto e o desenho dos castiçais e dos objetos de culto.

O artista plástico ainda ajudou a escolher a cor das cortinas no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal. “Então pra criar uma sensação de espaço, assim, de vazio, a cor encontrada foi aquele verde-garrafa, que tá lá e que é usado nesses tempos, essa cortina”, disse Athos Bulcão, em entrevista para o Arquivo Público do Distrito Federal em 1988.

Para ele, um dos desafios da companhia para a construção foi o período de chuva. As tempestades deixaram descrentes até mesmo os mais célebres entre os construtores de que a capital poderia estar pronta no prazo. “E eu, um dia, escrevi pra um amigo meu: ‘Eu acho que não vai dar tempo de inaugurar esse negócio aí, ficar pronto em abril.’ Foi inaugurado em abril de 60.”

ERNESTO SILVA

O primeiro diretor da Novacap, Ernesto Silva, foi quem mostrou a Juscelino os pontos-chave da construção da cidade. “Onde é que ia ser o aeroporto, onde é que podia ser o aeroporto, onde é que tinha material de construção, enfim, durante as três horas de avião fui eu que expliquei tudo a ele e ao Israel Pinheiro, tudo”, disse, em entrevista ao Arquivo Público do Distrito Federal em 1987.

Israel Pinheiro, Moacyr Gomes de Souza e Ernesto Silva na inauguração de Brasília

Israel Pinheiro, Moacyr Gomes de Souza e Ernesto Silva. Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

Diferencial de Ernesto Silva era no apelo social. Ele é quem teve a ideia de investir em áreas de lazer, de educação e hospitalar na cidade. “Se não fosse eu, não havia as escolas. Se não fosse eu, não havia Escola Parque, que depois não construíram mais. Se não fosse eu, não havia Hospital de Base. Se não fosse eu, não havia o clube de Unidade de Vizinhança da 108”. Segundo ele, a preocupação dos engenheiros era em infraestrutura, como estradas, iluminação, avenidas etc.

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História da Novacap

A Novacap foi criada pela mesma lei que determinou a construção de Brasília, a latitude exata e o nome da nova capital. É o segundo artigo da Lei nº 2.874, revogado em 1972. Com a revogação, ficou responsável por executar as obras e serviços de urbanização e de construção civil de interesse do Distrito Federal. Como empresa pública, funciona com 49% de ações da União e 51% do governo de Brasília.

A companhia desenvolvia um papel social para os operários. Não só fiscalizava os acampamentos e os alojamentos, mas também administrava as farmácias, atendimentos à tuberculose, hospitais volantes, transportes e chegou a fabricar tijolos para a construção das casas dos funcionários. Até casamento coletivo foi feito sob coordenação da Novacap.

Ela também era responsável por definir os salários de seus empregados durante a construção. Como a busca por mão de obra era constante entre as construtoras, havia oferta de serviço o tempo todo. Algumas empresas enviavam representantes aos campos de obras das concorrentes para anunciar vagas. Essa prática fez com que o preço do trabalho ficasse acima do de mercado e inflacionasse o serviço. A Novacap então interveio e fixou o teto salarial.

Do descampado de Brasília à construção de um lago, a companhia tomou a frente das construções. O Lago Paranoá era uma obra de empresa estadunidense, mas o presidente JK achou que o serviço estava atrasado, demitiu os estrangeiros e o deixou a cargo da Novacap, que concluiu no prazo, com a inauguração em 12 de setembro de 1959, aniversário de Juscelino.


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Edição: Raquel Flores