No Dia da Consciência Negra, a AGÊNCIA BRASÍLIA entrevista a Secretária Especial de Promoção da Igualdade Racial, Josefina Santos Serra

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20/11/2011 às 12:58

Por um Distrito Federal sem racismo

No Dia da Consciência Negra, a AGÊNCIA BRASÍLIA entrevista a Secretária Especial de Promoção da Igualdade Racial, Josefina Santos Serra

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Da Redação

“Queremos combater o racismo institucional, que é responsável pelo tratamento desigual entre negros e brancos em políticas voltadas a educação, trabalho, segurança pública, meios de comunicação e trabalho digno”

O ano de 2011 é o Ano Internacional dos Povos Afrodescendentes, considerado um divisor de águas também na administração pública do Distrito Federal. Criada em agosto, a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial busca a ampliação de políticas públicas para as populações negra, indígena e cigana do DF e do Entorno.

À frente da secretaria, Josefina Santos Serra, ou doutora Jô, como é conhecida, optou pela educação como meta de vida. Em vez de ser mais uma menina pobre de Cajapió, interior do Maranhão, conciliou o trabalho de doméstica com os estudos, formando-se em Direito.

Militante do movimento negro, a secretária acredita que ainda há muito a ser feito, mas que hoje o Brasil e o Distrito Federal avançam em ações afirmativas para as populações menos favorecidas. Nesta entrevista, além de sua história pessoal, Josefina Santos Serra fala sobre racismo, políticas de cotas e militância, entre outros assuntos.

Conte um pouco da sua trajetória de militância, política, vida intelectual e de trabalho.

O sonho de muitas meninas negras – e de suas mães – que moram nos quilombos do interior do Maranhão, filhas de quebradeiras de coco, pescadores, lavradores de cultura de subsistência, é ir para as cidades grandes e trabalhar em casas de família. Além de trabalhar e enviar o que ganham às mães e aos irmãos, essas meninas sonham em estudar. Foi com esse senho – na verdade muito mais de minha mãe do que meu – que comecei, com apenas seis anos de idade, a trabalhar de empregada doméstica em São Luís. Do Maranhão, fui para o Rio de Janeiro e de lá vim para Brasília. Cheguei aqui em 1977 e trabalhava só para comer e dormir, mas o sonho era mesmo estudar. Tinha 12 anos, nenhum parente por perto e sempre ouvia as pessoas perguntando “para que estudar?”. Mas os livros eram a única diversão que eu tinha. Lavava, passava, cozinhava, cuidava de crianças e depois ia para a escola. Terminei o segundo grau, que hoje é chamado de ensino médio – ainda trabalhando como doméstica. Passei em dois vestibulares, um para Direito e outro para Estudos Sociais, em universidades particulares. Daí veio mais uma luta: batalhar por uma bolsa de estudos e crédito educativo. Nessa época conheci o Movimento Negro Unificado (MNU), militei por alguns anos, conclui o curso de Direito, hoje sou conselheira da Organização dos Advogados do Brasil, seção DF, e também secretária de Igualdade Racial no Distrito Federal. Essa trajetória foi penosa, cansativa, mas nunca pensei em desistir porque acredito firmemente que a educação pode mudar e salvar vidas.

Qual o papel da sua secretaria? Pode fazer uma avaliação destes primeiros meses?

Passaram-se apenas 70 dias desde a criação desta secretaria. Nossa missão com toda a população é fazer cumprir os Termos de Compromisso assinados pelo governador Agnelo Queiroz, que nos destacam como referência nacional em ações afirmativas, incentivando o desenvolvimento socioeconômico e de cidadania das populações negra, indígena e cigana do Distrito Federal. Estamos buscando e discutindo um caminho mais justo para todos.

A senhora acredita que criação de uma secretária como a Sepir no Distrito Federal é resultado da luta do movimento negro no DF?

A existência da Sepir se deve ao trabalho dos movimentos sociais, da militância negra, de parlamentares comprometidos com a população negra de Brasília e, principalmente, do governador Agnelo Queiroz, que sempre foi sensível à criação desta secretaria, não só como um compromisso de campanha, mas com foco no desenvolvimento econômico e social da população negra, indígena e cigana do Distrito Federal.

Como é o relacionamento da secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Distrito Federal com a da Presidência da República? Há troca de ideias, de ações?

Temos uma parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. Buscamos sempre manter um diálogo e fazer projetos conjuntos. Nosso interesse é aprofundar cada vez mais a comunicação não só com a secretaria da Presidência, mas com todos os ministérios, para que a promoção da igualdade racial possa alavancar os direitos das populações negra, indígena e cigana do Distrito Federal.

O país está menos racista?

Não existe país mais ou menos racista. O que existe é um país no qual o racismo é velado, o que é muito grave. Queremos combater o racismo institucional, que é responsável pelo tratamento desigual entre negros e brancos em políticas voltadas a educação, trabalho, segurança pública, meios de comunicação e trabalho digno, entre outras.

A senhora acredita na tese de que o racismo cria privilégios para um grupo e desvantagem para outro? O que acha do sistema de cotas?

O sistema de cotas é apenas um dos muitos instrumentos de reparação social que já começam a apresentar resultados efetivos para o desenvolvimento do país. O Brasil precisa de muita mão de obra qualificada, especializada, o que obriga o mercado a incentivar projetos de inclusão social. As cotas estão se prestando a lapidar o talento de afrodescendentes e indígenas, por exemplo, e colocá-los na disputa pelo mercado de trabalho em pé de igualdade. O sistema de cotas é um mecanismo que muitas vezes nem todos compreendem, mas é também um compromisso do Brasil com os Estados Membros da ONU, da qual somos signatários. Felizmente, estamos conseguindo, ainda que em uma velocidade abaixo da esperada, avançar e sermos vistos nos outros países como referência nos programas de igualdade racial. Em relação a se o racismo cria privilégios e desvantagens, avalio que sim. Hoje, na maioria das vezes, não consideramos um ato racista impedir a evolução de um aluno ou não fornecer atendimento médico de qualidade para negros e negras, índios e índias, ciganos e ciganas porque, historicamente, desprestigiamos esses grupos etnicorracias com uma cadeia de discriminações e preconceitos que acaba gerando um comportamento generalizado de racismo velado, tão perverso que até mesmo negros, indígenas e ciganos acabam tendo vergonha de si. Se não bastasse, o racismo está tão enraizado na cultura brasileira que tem racista que não sabe que é racista, ou que não se assume, não se mostra, não se revela. Quando foram instaladas as políticas de ações afirmativas para os afrodescendentes, muita gente se revelou contra porque seus benefícios passariam a ser menores, porque teriam que dividi-los com mais pessoas de qualidade, instruídas, críticas, enfim, educadas.

Há alguma ação para melhorar a vida das mulheres negras no Distrito Federal?

Em nosso Plano de Ação para 2012, prevemos ações públicas em áreas como educação, saúde, cultura, segurança pública, juventude, trabalho, empreendedorismo e renda, com recortes específicos para as mulheres, não só as negras, mas de outras etnias também. Estamos analisando as demandas dos movimentos sociais e sistematizando os dados para conversarmos com as secretarias correspondentes para desenvolver conjuntamente projetos que se transformarão em programas. Nossa intenção é que as políticas de governo se tornem políticas de Estado na questão etnicorracial no Distrito Federal.

Gostaria que a senhora falasse especificamente dos seguintes temas: mortes maternas entre mulheres negras e mortes por causas violentas entre jovens negros de sexo masculino. Isso tem relação com o racismo institucional?

É comprovado estatisticamente que morrem muitas mulheres negras em trabalho de parto porque não tiveram assistência pré-natal. É um absurdo que isso ocorra no Brasil, em pleno século XXI. No DF, vamos ter ações que mudem esse conceito medieval e excludente. Há mulheres que não recebem procedimentos anestésicos porque se criou o mito de que a mulher negra suporta mais a dor que as não negras. Não conheço um preconceito tão racista como esse. Quanto às mortes de jovens negros, já iniciamos um projeto que será encaminhado à Secretaria de Segurança Pública. Estamos diante de um problema que é, ao mesmo tempo, um caso de polícia e um caso de política. O caminho do bom senso é fundamental em qualquer circunstância, mas, no caso das mortes violentas, é sinuoso e espinhoso. Teremos que construir uma rede de proteção que envolva não só a segurança pública, mas também a educação, o esporte, a saúde, a ciência e tecnologia, o trabalho… Gostaria também de salientar que os números das vítimas de violência estão mutilando uma geração de negros, que morrem principalmente à bala, e de não negros, que por terem recursos financeiros estão sendo exterminados em acidentes automobilísticos. Estamos diante de números de guerra. Há um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que revela que cerca de 400 jovens são assassinados por mês no Brasil. A maioria quase absoluta é do contingente negro. É um genocídio disfarçado.

De que forma a Sepir está atuando para enfrentar esse problema? Há secretarias parceiras?

Estamos fazendo um passo a passo e alinhavando um cronograma que possibilite que os programas de qualificação profissional para a Copa do Mundo e as Olimpíadas alcancem também as populações negra, indígena e cigana que moram fora dos principais centros. Nas zonas rurais, pode-se sugerir cursos como Turismo Étnico, Empreendedorismo Etnicorracial, Administração Rural, Economia Solidária… Seria uma forma inclusive de manter essa mão de obra no campo, qualificada e melhorando a produção e os negócios agropecuários e turísticos. Podermos levar turistas estrangeiros para locais paradisíacos assistidos por moradores que monitorem esses passeios. Ou ainda, receber grupos de turistas em áreas de criação de pequenos rebanhos, plantações caseiras, produções de economia doméstica. Os eventos esportivos são oportunidades ímpares de empoderarmos as populações que, historicamente, sempre foram excluídas.