14/03/2015 às 00:03

Mudanças na orla do Lago Paranoá conciliarão uso sustentável e conservação ambiental

Recuperação de áreas degradadas não impedirá destinação de espaços para pistas de corrida e ciclovias, entre outros equipamentos públicos

Por Étore Medeiros, da Agência Brasília


. Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

Além de retirar invasores de áreas públicas e recuperar a vegetação da orla do Lago Paranoá, o acordo firmado na quinta-feira (12) entre o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Procuradoria-Geral do DF (PGDF) vai propiciar aos brasilienses o direito de usufruir mais diretamente das margens do lago. A utilização da área de preservação permanente (APP), no entanto, deverá seguir regras e princípios de sustentabilidade e respeitar procedimentos de recuperação dos trechos degradados.

“Onde estiver degradada, a vegetação tem que ser recuperada”, afirma a presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Jane Maria Vilas Bôas. Ela acredita que o aspecto paisagístico da restauração poderá trazer um benefício adicional ao DF: qualidade urbanística. “A gente tem como uma marca de Brasília, por exemplo, os ipês — que têm floradas maravilhosas, que encantam todo mundo. Então, por que não fazer um colar de ipês no lago?”, sugere.

Como se trata de uma área urbana, a APP do Lago Paranoá pode conciliar mais facilmente o uso sustentável e a conservação, explica Leonel Generoso, superintendente de Áreas Protegidas do Ibram: “Podem ser mantidas ou erguidas estruturas leves — que não impeçam os fluxos da natureza —, como ciclovias, pistas de cooper, lugares de estar para os visitantes”. E acrescenta: “Os particulares não vão mais ter domínio total sobre a área, como era antes, mas o público não pode fazer o que quiser; terá que seguir determinadas regras e normas que estejam de acordo com a preservação da área.”

As definições das áreas que ficarão abertas ao público, dos equipamentos que podem permanecer na APP e dos trechos da orla que precisam de proteção mais rígida fazem parte do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad). Os termos do documento, que está sendo elaborado pelo governo, ainda serão negociados com o MPDFT.

Entenda as principais mudanças relacionadas à desocupação da faixa de 30 metros correspondentes à APP do Lago Paranoá:

O que vai mudar na orla do lago?
O acordo fechado entre o Ministério Público do DF e Territórios e a Procuradoria-Geral do Distrito Federal prevê inicialmente a remoção de cercas, muros, grades e outras instalações que estejam a menos de 30 metros do lago, na chamada área de preservação permanente (APP). Como se trata de terra pública, o espaço não pode ter o acesso interditado ou controlado por particulares. Futuramente, serão definidos os trechos que permanecerão abertos a visitação e aqueles de uso restrito ou proibido. Além disso, serão identificadas as áreas degradadas que precisam ser recuperadas.

O que é uma área de preservação permanente (APP)?
A APP é uma área protegida — urbana ou rural —, coberta ou não por vegetação nativa. Tem as funções, entre outras, de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, e de proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Por que a APP do Lago Paranoá é de 30 metros?
A distância é definida pelo Decreto nº 24.499, de 30 de março de 2004, do governo do Distrito Federal. O texto havia sido alterado pelo Decreto nº 35.850, de 26 de setembro de 2014, que foi derrubado por outro Decreto, o de nº 36.389, assinado pelo governador Rodrigo Rollemberg e publicado no Diário Oficial do Distrito Federal, de 6 de março. O texto fez com que voltasse a valer a redação original do Decreto nº 24.499. Para estabelecer os 30 metros de APP, a norma de 2004 leva em consideração resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Quais as primeiras áreas a serem desobstruídas? Toda a orla do lago passará por mudanças?
O cronograma do plano de fiscalização e remoção de construções e instalações erguidas na APP do Lago Paranoá prevê que a ação comece pela QL 12 do Lago Sul, na Península dos Ministros, e pela QL 2 do Lago Norte. Essa etapa deve durar quatro meses, contados a partir de maio, e liberar o acesso ao Parque Ecológico Península Sul, ao Parque Vivencial do Anfiteatro Natural do Lago Sul e ao Parque de Uso Múltiplo do Lago Norte.

Nos oito meses seguintes, serão liberados o Monumento Natural Dom Bosco, os Parques Ecológicos Bosque e das Garças, a Praia do Lago Norte, as áreas EQLs 11/13 e 4/6 no SHIN, o Parque dos Escoteiros, a área vivencial QL 14/16 no SHIS e os refúgios de vida silvestre Copaíbas e Garça Branca. A terceira etapa, que abrange o restante da orla, deverá levar outros dois anos. A quarta e última fase da ação consiste na fiscalização permanente da orla.

Alguma área da orla não foi afetada pelo acordo?
Por enquanto, não estão previstas ações nos Setores de Clubes Sul e Norte e no de Mansões do Lago Norte, nem no Pontão do Lago Sul. Essas áreas estão submetidas a contratos e acordos específicos e serão objeto de novas discussões entre a PGDF e o Ministério Público.

Os píeres e outros equipamentos particulares passam a ser de uso público?
Sim. Quadras de esportes, píeres, quiosques e outros equipamentos instalados dentro da APP do Lago Paranoá passarão a ser de uso público, já que foram construídos dentro de área pública. A manutenção ou derrubada desses equipamentos serão definidas pelo Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad) da APP.

Como os moradores saberão que as construções avançaram os limites permitidos? O proprietário pode se adequar às mudanças por conta própria?
A partir da semana que vem, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) vai notificar todos os moradores que invadiram áreas não permitidas. Os donos dos imóveis podem retirar da APP cercas e outras estruturas, desde que isso não cause danos ambientais e não deixe resíduos. Nem todos os equipamentos precisarão ser removidos. Aqueles que podem ser mantidos para uso público só serão conhecidos após a conclusão do Prad.

Qual o impacto ambiental das mudanças previstas?
Um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad) da APP do Lago Paranoá já está em elaboração. Ele definirá as áreas em que o uso será restrito, assim como as atividades que poderão ser feitas nos espaços abertos a visitação. O Prad estabelece ainda os trechos prioritários para a recuperação do Cerrado, com o plantio de mudas de espécies nativas, como o ipê.

Liberar o acesso da população à área de APP oferece riscos ao meio ambiente?
O uso do espaço deve ser feito de modo consciente e sustentável. Por isso, o acesso e usufruto da APP deve seguir um conjunto de normas que ainda vão ser editadas de acordo com as peculiaridades de cada trecho da orla. Em alguns locais de preservação mais sensível, o acesso pode ser totalmente proibido à população.

De quem foi a iniciativa de desocupar a orla do Lago Paranoá?
O Ministério Público do DF e Territórios impetrou uma ação civil pública, em 2005, solicitando providências do governo quanto à ocupação irregular das margens do lago e à recuperação das áreas degradadas. Em agosto de 2011, uma sentença estipulou que o governo elaborasse um plano de fiscalização e remoção de construções e instalações erguidas na Área de Preservação Permanente (APP) do Lago Paranoá.

Por que a sentença só vai ser cumprida agora?
O governo da época não apresentou o plano de fiscalização e remoção no prazo solicitado. Por isso, a pedido do Ministério Público, foi multado em R$ 5 mil por dia, até que apresentasse o documento. No início de 2014, o governo concluiu a elaboração de um plano, mas ele foi considerado insuficiente pelo MP, que pediu à Justiça aplicação de uma multa mais pesada. Em setembro do ano passado, por sugestão do Tribunal de Justiça do DF, as partes começaram um processo de mediação, mas as negociações caminharam muito lentamente. Somente em 2015, o governo do DF e o MPDFT conseguiram avançar no processo de mediação e finalmente chegar a um acordo — anunciado nesta semana — que suspende a ação iniciada em 2005 contra o DF.

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