10/05/2019 às 11:31, atualizado em 21/10/2019 às 15:26

Camila Gaspar – “Nova geração de mamães prefere parto natural”

Chefe da Assessoria de Redes de Atenção à Saúde traça o perfil de atendimento da saúde pública para mulheres do início da gravidez até o bebê completar 24 meses. Em 2018, segundo o estudo, 68% delas optaram por dar à luz pela via mais tradicional

Por Renata Moura, da Agência Brasília

Joel Rodrigues/Agência Brasília

Chefe da Assessoria de Redes de Atenção à Saúde, Camila Carloni Gaspar, conta como o GDF cuida dos primeiros mil dias de uma nova vida. Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Em 2018, segundo a Secretaria de Saúde, 68% dos partos realizados na rede pública foram pela via natural, sem qualquer necessidade de intervenção cirúrgica. O índice é resultado de muita orientação e, acompanhamento diário das gestantes feitos pelas equipes médicas nas unidades básicas. No Distrito Federal, o incentivo dessa modalidade tradicional de trazer bebês ao mundo é da Rede Cegonha, um programa nacional que organiza a lógica de atender e oferecer serviços de saúde voltados à mãe e à criança.

Em entrevista à Agência Brasília, a chefe da Assessoria de Redes de Atenção à Saúde, Camila Carloni Gaspar, conta como o Governo do Distrito Federal cuida dos primeiros mil dias de uma nova vida. O trabalho é feito desde as primeiras consultas de pré-natal, passando pela orientação em relação à melhor opção de parto e, depois, segue com a oferta de acompanhamento da criança até 24 meses. A enfermeira diz que 100% das mulheres em gestação, que buscam pelos serviços, são atendidas com exames, consultas mensais e, se necessário, recebem uma atenção diferenciada quando diagnosticado qualquer situação mais grave.

O que é a Rede Cegonha?
É um programa do Ministério da Saúde para organizar a forma de atendimento nos serviços de saúde voltados à mãe e filho, com foco no processo que compreende desde a gestação até a criança completar 2 anos de idade. Dentro da Rede Cegonha a gente tem um monte de ações voltadas para esse período da vida. Entre elas, todas as ações do pré-natal, além do cuidado com a gestante desde o momento em que ela descobre a gravidez. Fazemos o teste para verificar a gestação, assim como os exames e as vacinas. Caso seja identificada alguma complicação, há orientação e suporte para um cuidado específico. Em seguida, o parto, o local para esse parto, a definição do tipo de parto. Depois quando o neném nasce, temos o cuidado com o puerpério da mãe, a amamentação e a atenção aos recém-nascidos – exames de triagem do bebê, seguido do acompanhamento médico regular até os dois anos de idade.

Na prática, qual a estrutura para esse atendimento?
Hoje, no Distrito Federal, em média, ocorrem 4 mil partos, todos os anos. Então, temos todas as unidades básicas de saúde, que atendem com o pré-natal. Depois, todas as maternidades públicas do DF, que são as referências para o parto. E, nesses locais, temos bancos de leite ou postos de coleta, onde também passamos orientações sobre a amamentação. E, ainda, a própria rede hospitalar e a rede de atenção primária, para acolher essa mulher e o bebê no acompanhamento do desenvolvimento até os dois anos após o parto.

[Olho texto=”Esses mil dias de vida do bebê, que nós chamamos de “ mil dias de ouro”, é a época mais importante deles. É tempo de acompanhar, dar atenção e ver o que a criança precisa para garantir que terá um desenvolvimento saudável e próspero.” assinatura=”” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

Por que a definição de acompanhar o bebê até dois anos de idade?
Esses mil dias de vida do bebê, que nós chamamos de “ mil dias de ouro”, é a época mais importante deles. É tempo de acompanhar, dar atenção e ver o que a criança precisa para garantir que terá um desenvolvimento saudável e próspero. Na rede pública, funciona assim. Quando a criança nasce, são feitos os primeiros exames da triagem neonatal, como o teste do pezinho, para verificar se a criança não possui nenhuma doença genética. Se tiver tudo bem, com sete dias de vida, a mãe leva o neném para a primeira consulta. Depois, passa a ser atendida uma vez por mês, durante todo o primeiro ano de vida, pela equipe de saúde da família de referência. Nesse período, serão dadas as vacinas, os enfermeiros acompanham se cresceu, se engordou, qual o crescimento da cabeça, as queixas das mães, esclarecem as dúvidas. Adoeceu, volta nessa equipe. Depois de um ano de idade, as consultas passam a ser trimestrais até a criança completar 24 meses.

A rede pública consegue atender 100% da demanda com todo esse critério?
Conseguimos, sim. Nesse acompanhamento mensal atendemos toda a demanda, inclusive é uma das nossas prioridades. A gente reserva horários de agenda de enfermeiras e médicos da Família para isto. O que é um pouco mais difícil de conseguir é o atendimento na intercorrência ou uma febre no meio do caminho. Porque os pais procuram um hospital no final de semana e aí se deparam com os percalços de um Pronto-Socorro. Mas com o acompanhamento mensal, com consultas e vacinas, a garantia é de 100% de atendimento.

E aquelas mães que acabaram de chegar ao DF? Como elas podem buscar esses serviços na rede pública?
Todas podem buscar a unidade básica de saúde mais próxima da sua residência em qualquer momento. Tanto no meio da gestação ou se o filho é recém-nascido, pequenininho. Se mudou para Brasília, será acolhido dentro da rede.

Brasília é referência nacional em várias especialidades médicas e também em iniciativas como a do banco de leite do Hospital Regional de Taguatinga…
O DF tem hoje a maior rede de banco de leite do Brasil. Temos bancos de leites em todas as maternidades da rede, que conseguem processar leite humano na quantidade para sermos autossuficientes. Ou seja, conseguimos coletar – principalmente de lactantes que os filhos estão sendo acompanhados por nós –, processar e distribuir o leite em todas as unidades hospitalares em que temos bebês internados e que necessitam desse leite para sua recuperação.

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É comum vermos casos de bebês em má formação, com problemas genéticos, que têm sucesso de tratamento na rede pública do DF. Como é o caso, por exemplo, das irmãs siamesas, que passaram por cirurgia de separação há alguns dias. Podemos atribuir esse sucesso ao acompanhamento desde o pré-natal?
Com certeza. Inclusive, no pré-natal, quando identificado o problema, as gestantes têm um atendimento diferenciado na rede. Isto começa assim que diagnosticada a situação. Outra forma é o teste do pezinho, que no DF é ampliado. Com ele conseguimos detectar mais de 30 doenças genéticas. Porque muitas delas, quando mais cedo identificar, melhor é o resultado do tratamento. Esses bebês já nascidos, ou ainda na barriga da mãe, são encaminhados para tratamento em ambulatórios específicos. Dependendo da doença diagnosticada, seguem para especialistas no Hospital de Apoio de Brasília, no Materno-Infantil (Asa Sul) e no Hospital da Criança José de Alencar.

Uma das preocupações das gestantes é adquirir doenças que comprometam a saúde do bebê. Tem como evitar que isso aconteça?
Por isso, o pré-natal é tão importante. As vacinas, o acompanhamento mensal da equipe médica junto com os exames… Tudo ajuda a detectar as doenças e, assim, pode-se fazer o tratamento adequado para a condição daquela mulher. Pode ser rubéola, Zika Vírus, Leishmaniose, sífilis… Inclusive, hoje, infelizmente, a sífilis está muito comum e prejudica o bebê gravemente. Mas há cura. Se for identificada no começo, a gestante já faz o tratamento no primeiro trimestre e chance de o bebê ter alguma sequela é mínima. Então, o fato de ir as consultas mensais, fazer os exames solicitados, acompanhar e ouvir as orientações médicas praticamente anula as possibilidades de complicações.

Por muitos anos, as mulheres brasileiras optaram por cirurgias cesarianas como opção para o parto. Nos últimos anos, o governo passou a orientar pelo parto natural como primeira opção. Qual é a medida para determinar o melhor caminho para a mãe e o bebê?
Há uma orientação da Organização Mundial de Saúde, que define boas práticas para parto e nascimento. Nela há estudos avançados que demonstram que pelo menos 70% das mulheres conseguem ter seus partos de forma natural. Os outros 30% teriam indicação para cesariana por complicações. É preciso dizer que se trata de uma cirurgia importantíssima para assegurar a vida de mãe e filho. Por isto que as mulheres que necessitam tenham acesso a cesárea. A rede de saúde está muito bem preparada para isto. As pessoas precisam entender que parto cesariana também é normal, mas para quem precisa dele. Porém, a gente tem uma via natural, que a humanidade tem utilizado ao longo dos anos. Ou seja, é natural que mãe entre em trabalho de parto e é trabalho mesmo! Ninguém morre de sentir dor. O parto natural tem de ser encarado como algo normal para nosso corpo. A maioria das mulheres estão preparadas fisicamente para isto. O corpo consegue fazer um trabalho e parir uma criança. É como se você fosse para a academia e fizesse aquele esforço para ficar com as pernas durinhas. Sabe como é? Então, é a mesma coisa. É um trabalho que envolve hormônios, músculos e também o empenho e esforço do bebê. Então, pela experiência, o ideal para a mãe e para o bebê – que estão em condições adequadas, é claro – que o parto seja natural. Que o bebê consiga sair de forma natural.

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O parto natural mudou muito da época das nossas avós para hoje?
Sim. Muita coisa foi desmistificada e as boas práticas ajudaram muito nesse sentido. Com elas tivemos orientações formuladas com base nas evidências de como cuidar e atender um trabalho de parto natural, principalmente para que a mulher tenha a melhor experiência possível. Hoje, em trabalho de parto, a mulher pode deambular (andar), não precisa ficar deitada, amarrada a uma cama. Se preferir pode tomar um banho, ouvir música, pode optar por ter o filho na banheira como aqui na Casa de Parto de São Sebastião, ou até mesmo optar ter o filho em pé ou sentada numa cadeira. Até a alimentação, que antes era restrita, agora a gente libera. Imagine uma mulher com 20h em trabalho de parto, fazendo um exercício danado, não poder comer…no passado era assim, um absurdo. A proposta é deixar a mãe bem à vontade, um pouco mais confortável e tranquila. Na rede pública, essas boas práticas são difundidas e, é claro, em algumas maternidades, ainda não conseguimos oferecer tudo isto até mesmo em função das nossas limitações físicas. Mas dentro do possível, seguimos incentivando o parto natural entre servidores e gestantes.

As mulheres no DF estão aceitando mais o parto natural?
Eu acredito que as boas práticas, associadas ao esclarecimento das gestantes, reverteu muito o quadro. Hoje, as mulheres leem, buscam mais informações, querem conhecer os processos e isto é muito bom. Vemos várias mulheres que querem ter sua experiência de parto natural. Infelizmente, ainda não é geral. Muitas são dominadas pelo medo e pelo desconhecimento. Mesmo assim, hoje 68% dos partos, realizados na rede pública, são naturais e queremos ampliar esse número com esclarecimento e orientação.

[Olho texto=”Vemos várias mulheres que querem ter sua experiência de parto natural. Infelizmente, ainda não é geral. Muitas são dominadas pelo medo e pelo desconhecimento. Mesmo assim, hoje 68% dos partos, realizados na rede pública, são naturais e queremos ampliar esse número com esclarecimento e orientação.” assinatura=”” esquerda_direita_centro=”direita”]

Quais os benefícios do parto natural?
São inúmeros. O corpo da mulher foi concebido para isso. Gerar a vida, desenvolver e, em seguida, dar à luz. Quando chega a hora, tudo ocorre de maneira natural. Os hormônios da amamentação são ativados mais rapidamente, não têm necessidade de passar por um risco cirúrgico, de anestesia. Além disso, o corpo volta ao normal com mais facilidade. Para a criança que passa por um parto natural, o caminho da vagina é algo extremamente benéfico. Nesse processo de trabalho, que o bebê também faz, ele conquista inúmeros benefícios fisiológicos. Nasce com uma ativação maior, mais fortalecido.