08/11/2019 às 08:30, atualizado em 08/11/2019 às 16:25

Luciana Carvalho Dias: “Um real faz muita diferença”

Subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria de Desenvolvimento Social explica como funcionam os 14 restaurantes comunitários do DF

Por Gizella Rodrigues, da Agência Brasília

Em média, são servidas diariamente 2 mil refeições em cada unidade. Alguns restaurantes atendem até 4,5 mil pessoas por dia | Fotos: Lúcio Bernardo Júnior / Agência Brasília

Arroz branco, feijão preto ou carioca, frango ao molho de tomate, polenta com jiló, alface e cenoura, banana e suco. Esse foi o cardápio de quinta-feira (7) servido nos 14 restaurantes comunitários do Distrito Federal. Esta sexta (8) é dia de feijoada, um dos pratos preferidos da população que frequenta esses espaços: 25 mil pessoas por dia. O preço? Apenas R$ 1 por uma refeição saborosa, saudável, nutritiva e elaborada por uma equipe de nutricionistas.

“Os restaurantes comunitários existem há 14 anos para atender os usuários em insegurança alimentar. A fome ainda existe, e esses restaurantes comunitários foram criados para atender essa população”, afirma a subsecretária de Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), Luciana Carvalho Dias. “O restaurante comunitário é um patrimônio do DF, e a população respeita muito a comida que é servida nele. As pessoas gostam muito”, acrescenta.

Em entrevista à Agência Brasília, a nutricionista esclarece como o cardápio dos restaurantes comunitários é elaborado, fala sobre as regras exigidas no funcionamento das cozinhas, necessárias para a manutenção da higiene, e explica o trabalho de educação nutricional feito nos restaurantes. “A gente acha que todo mundo sabe se alimentar corretamente, mas a gente vê que as pessoas têm muitas dúvidas”, diz.

Quantas refeições são servidas por dia nos restaurantes comunitários?
Nós temos 14 unidades e, em média, servimos 2 mil refeições em cada uma. Em alguns restaurantes, atendemos até 4,5 mil pessoas por dia, como em Planaltina e Ceilândia, que a gente reinaugurou na última sexta-feira (1º) .

O restaurante estava em obras? E estava funcionado ou ficou fechado?
Fizemos um ciclo de manutenção nos restaurantes, em parceria com a Vigilância Sanitária, para adequar alguns pontos que eram necessários para servir uma alimentação de qualidade, dentro das normas de segurança alimentar. Essa manutenção já foi feita em dez restaurantes. Em média, o fechamento ficou entre 15 e 20 dias.

O que foi feito?
Mudamos pisos, instalação hidráulica, elétrica, o teto. As reformas não eram feitas havia dez anos. Começamos pela parte interna, mas temos um projeto para, no ano que vem, modificar os salões. Agora mudamos a cozinha, que é a parte operacional mais importante, para servirmos uma refeição com qualidade nutricional e dentro das normas de segurança alimentar. Por servirem uma quantidade muito grande de refeições, o desgaste das cozinhas é intenso. O piso, por exemplo, é lavado todos os dias, e a água causa muita deterioração. A umidade também estava vasta, as cozinhas tinham problemas na iluminação. Alguns ambientes estavam muito escuros, o que dificultava a preparação do alimento. Depois que o governador Ibaneis baixou os preços das refeições e voltou a cobrar R$ 1 cada uma, o movimento na primeira semana aumentou 23%.

O percentual ainda se mantém?
Não aumentou, a gente está na casa dos 30%. Em alguns restaurantes, como Samambaia e Planaltina, o aumento chegou a 50%.

E as pessoas acham que um real não faz diferença…
Na verdade, um real faz muita diferença, principalmente para a população de insegurança alimentar, que são os usuários dos restaurantes comunitários.

Como é a elaboração do cardápio dos restaurantes?
Cada empresa que ganha a licitação tem obrigação de ter uma nutricionista. E nós, aqui na equipe da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional, que controla todo o serviço prestado nos restaurantes comunitários, também temos nutricionistas. Nós nos sentamos juntos para elaborar um cardápio único voltado para todos os grupos alimentares que têm que ser servidos. Muitas vezes cada unidade tem um perfil de público diferente. Tem unidade que tem um perfil mais familiar, as pessoas preferem a carne como picadinho ou moída; outras atendem mais trabalhadores. Uns preferem frango assado, outros preferem frango em cubos. A proteína é a mesma, mas o jeito de fazer é diferente. Nós controlamos rigorosamente e todas as modificações do cardápio são autorizadas pela secretaria, mas alguma flexibilidade a gente permite, até porque a empresa tem que atender a população. O restaurante comunitário é um patrimônio do DF, e a população respeita muito a comida que é servida nele. Os restaurantes comunitários existem há 14 anos para atender os usuários em insegurança alimentar. A fome ainda existe, e esses restaurantes comunitários foram criados para atender essa população.

Então a gente pode dizer que os restaurantes comunitários visam combater a fome?
Sim, esse é um dos objetivos. As pessoas pagam um preço super acessível numa refeição elaborada nutricionalmente para atender a todos as demandas do corpo humano para um dia.

Refeições saborosas, saudáveis e nutritivas são elaboradas por uma equipe de nutricionistas

O cardápio é mensal? As opções se repetem quantas vezes no mês?
Temos os carros chefes se repetem com maior frequência: carne picadinha, frango assado, farofa… os usuários adoram farofa. Intercalamos fruta e doce como opção de sobremesa. Toda sexta-feira tem feijoada. Nesse dia temos uma segunda opção, porque existem pessoas que não comem a carne da feijoada. Nos dias que o cardápio tem peixe ou carne de porco, a gente tem uma segunda opção, que normalmente é ovo. A gente tenta fazer um cardápio o mais saudável possível, que se encaixe na dieta da maioria das pessoas.

Como é a composição do prato?
Arroz, feijão, uma proteína e uma guarnição, como farofa ou purê de batata. Também tem a salada, o suco e a sobremesa, que pode ser fruta ou um doce de abóbora, uma gelatina…

Tem uma quantidade estabelecida de proteínas e carboidratos dentro do prato, por exemplo?
Existe uma gramatura especificada para cada alimento. Normalmente, são 200 gramas de arroz e 150 gramas de feijão, mas nem todos querem aquela quantidade. Dependendo muito do que o usuário quer, um pouquinho mais de arroz ou um pouquinho mais de feijão é servido sem problema. A proteína sim, deve ser servida de acordo com o que está especificado no edital. Costuma ser 150 gramas, 200 gramas, dependendo se tem osso ou não.

É uma preocupação definir quantas calorias tem um prato? Porque, às vezes, a refeição no restaurante comunitário é a única da pessoa no dia…
No restaurante comunitário a gente tem uma preocupação qualitativa; o objetivo é levar qualidade nutricional com todos os grupos alimentares. Assim, o valor calórico nesse sentido não é qualitativo. Muitas vezes, a refeição do restaurante comunitário é sim a única do dia, mas o usuário tem direito a comprar marmita. Ele tem direito a duas refeições ou duas marmitas ou a uma refeição e uma marmita. O que a maioria dos usuários faz é comer a refeição na hora e levar marmita para o jantar.

Ocorre muito desperdício de comida?
Sim, às vezes a pessoa coloca muita comida no prato e não consegue comer. A gente tem projetos para fazer parcerias no ano que vem, justamente para aproveitar essas sobras para compostagem e adubos de hortas.

Dez restaurantes passaram por manutenção e, ano que vem, GDF pretende fazer obras nos salões. Reformas não eram feitas há 10 anos

A população sabe escolher bem os alimentos que consome?
Não. Dentro dos restaurantes comunitários, fazemos um trabalho de educação nutricional. O usuário recebe um panfleto com dicas e receitas; a cada mês é um tema diferente. O último foi sobre alimentação saudável para as famílias, e a gente dava dicas de alimentação na infância, por exemplo. O material é elaborado pela equipe da subsecretaria e aprovado por mim e pelas outras nutricionistas. É um trabalho que dá muito resultado. Por trabalhar com alimentação, a gente acha que todo mundo sabe se alimentar corretamente, mas a gente vê que as pessoas têm muitas dúvidas. Querem saber a que tipo de alimento devem dar preferência ou o que tirar da alimentação em caso de diabetes. Queremos montar um programa de educação nutricional infantil. Fizemos um projeto-piloto com degustação de frutas e legumes para as crianças, e eu ensinei a montar um prato colorido para elas saberem a importância de variar os alimentos e ver como montar um prato saudável. Em 2020, vamos tentar fazer uma parceria com a Secretaria de Educação para os estudantes da rede pública participarem desse projeto.

Quais são as regras para o trabalho na cozinha para garantir a higiene e evitar contaminação da comida?
Os funcionários têm obrigação de ter um treinamento sobre o processo de higiene; eles utilizam uniforme, botas, toucas para proteger os cabelos, e não podem utilizar adornos, como anel e brinco, que podem causar contaminação na comida. Tem uma área separada para lavagem de panelas. É responsabilidade da empresa treinar os funcionários, e nossa, fiscalizar. As empresas também são obrigadas a ter um responsável técnico dentro das cozinhas. Em todo restaurante comunitário tem que ter um nutricionista acompanhando o serviço.

O cardápio fica fixado do lado de fora do restaurante para a população consultá-lo antes de almoçar?
O cardápio está disponível no site do GDF e nas administrações regionais, mas não é comum as pessoas recusarem o cardápio. Elas comem o que tem e gostam muito. A comida é tão boa e tão bem-elaborada que a aprovação é muito grande.

Como é feita essa avaliação?
Nós temos um formulário no qual o gerente aborda os usuários e recebe elogios e críticas. Cerca de 50 formulários são aplicados por dia e, no final da semana, as empresas repassam para o GDF essa avaliação, que é o que nos dá base para fazer qualquer tipo de modificação. Eles avaliam a qualidade do arroz, do feijão, dos acompanhamentos, da salada, do suco, da sobremesa e da aparência geral.