A AGÊNCIA BRASÍLIA entrevista a secretária da Mulher, Olgamir Amancia. Ela prioriza o enfrentamento à violência doméstica em sua gestão e acredita que a educação é determinante para acabar com o machismo

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13/11/2011 às 03:00, atualizado em 12/05/2016 às 17:48

Desconstruindo o machismo

A AGÊNCIA BRASÍLIA entrevista a secretária da Mulher, Olgamir Amancia. Ela prioriza o enfrentamento à violência doméstica em sua gestão e acredita que a educação é determinante para acabar com o machismo

Por

Victor Ribeiro, da Agência Brasília

“A escola tem papel estratégico na mudança dessa concepção por meio da desconstrução da cultura machista e da promoção da igualdade de gêneros e da tolerância”

A população do Distrito Federal se mobilizou no final do mês de outubro para debater políticas públicas para mulheres durante a 3ª Conferência das Mulheres. No próximo dia 25, será a vez de nova mobilização, com foco no enfrentamento à violência. Todas essas ações são pautadas pela Secretaria de Estado da Mulher.

A secretaria é uma das novas estruturas criadas este ano no Governo do Distrito Federal e tem a atribuição de instituir políticas transversais com recorte de gênero. O objetivo é promover a emancipação feminina, principalmente por meio da educação e da geração de trabalho e renda.

A entrevistada desta semana na AGÊNCIA BRASÍLIA é a secretária de Estado da Mulher, Olgamir Amancia Ferreira. Ela faz parte da União Brasileira de Mulheres desde a sua fundação, em 1988, reafirmando a sua luta pela emancipação das mulheres do Distrito Federal e do Brasil. Doutora em Políticas Públicas pela Universidade de Brasília, Olgamir atuou por 30 anos na Secretaria de Educação do DF e dá aulas no campus Planaltina, cidade onde mora há 44 anos.

Como foi o processo de criação da Secretaria da Mulher?

A secretaria é resultado da luta social das mulheres do Distrito Federal, que há algum tempo batalham por um órgão que institua políticas públicas para as mulheres. Isso associado a um compromisso do nosso governador Agnelo Queiroz, que ainda durante a campanha recebeu essa demanda do movimento feminista. Então, a secretaria é resultado desses dois movimentos: de um lado um movimento histórico das mulheres e, de outro, a sensibilidade de um governante de marca democrática, que garantiu que essa ideia se materializasse.

Já que estamos falando sobre as demandas do movimento feminista, há pouco tempo a secretaria realizou a Conferência Distrital das Mulheres, exatamente para consolidar políticas distritais com foco nas mulheres. Como foram essas conferências?

É importante saber que essa foi a primeira conferência que nós realizamos e que se fundamentou em conferências regionalizadas para a realização da Conferência Distrital. As duas primeiras só ocorreram em sua etapa final. Este ano, nós realizamos quatro conferências regionais, uma extraordinária – na Estrutural – e mais 13 conferências temáticas. Nós reunimos uma grande quantidade de mulheres em lugares diferentes para debater as temáticas que lhe são afetas. Isso tudo com um governo que convocou [a conferência] não apenas para cumprir uma obrigação, mas também disponibilizou condições objetivas para que a conferência ocorresse. Por exemplo, garantiu transporte em todas as fases e equipamentos de cuidado para crianças – brinquedotecas e locais semelhantes a creches.

Quais as principais reivindicações que serão levadas à Conferência Nacional?

Nós desenvolvemos dez eixos estruturantes orientados para o debate, como, por exemplo, a autonomia política da mulher. Outra questão é a autonomia econômica, com geração de emprego e renda – porque não há como falar de mulheres emancipadas sem acesso a esses benefícios, mas um acesso em igualdade de condições. As mulheres já estão ocupando áreas que antigamente eram redutos masculinos, como as carreiras militares, por exemplo. Entretanto, isso ainda não se traduziu em igualdade de condições ou em garantia de salários iguais aos dos homens, nem na ocupação de espaços de mando.

Discutimos a política de educação, porque é por meio dela que a gente vai mudar essa concepção machista que contamina as nossas crianças, que chegam à idade adulta com esse viés de que o homem é dono da mulher. Já as mulheres são consideradas objetos, seres desprovidos de direitos. Isso é cultural, é construído socialmente. Então, a escola tem papel estratégico na mudança dessa concepção por meio da desconstrução da cultura machista e da promoção da igualdade de gêneros e da tolerância.

Então, essa política educacional é fundamental no processo de emancipação feminina.

Claro. Por isso que trabalhamos ainda com uma outra dimensão da educação muito importante, que é a creche. Não apenas para formar o menininho que não tenha um olhar discriminatório em relação à menininha, mas a creche como um espaço de autonomia para a mulher. Que os horários e a organização da creche sejam pensados levando em consideração a rotina da mulher, que permita a ela estudar, cuidar de si.

E quais foram os outros eixos?

Tem a questão do enfrentamento à violência, que é um elemento extremamente complexo, porque há muitos fatores que concorrem para ele. A contaminação da sociedade pela lógica machista e patriarcal responde por essa violência doméstica. O nosso desafio é fazer a desconstrução dessa lógica por meio da educação e também para dar visibilidade a esse problema, que, por muito tempo, foi considerado um tipo menor de violência. Uma violência do lar, privada, que se dá na relação marido e mulher. Portanto, não competia ao Estado, enquanto esfera pública de poder, interferir. É o velho ditado: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Nós partimos do raciocínio inverso, porque essa briga de marido e mulher tem resultado na morte de muitas mulheres e o Estado não pode se calar diante disso. Nesse sentido, o governo vem agindo de forma bastante determinada, por meio de campanhas que conscientizem a população, mostrando que não é uma questão menor. Ao mesmo tempo, mostramos que é possível mudar essa realidade.

De que forma?

Garantindo que a mulher possa fazer a denúncia e tenha acesso às proteções e às garantias de Estado. É preciso criar mecanismos e fortalecer os que já existem, para que a mulher possa ter acompanhamento jurídico e psicológico, porque muitas vezes o agressor é alguém da família, do convívio social. Então, chegar a um balcão de delegacia e dizer: “meu filho ou meu marido está fazendo isso” não é uma coisa fácil. Isso mexe com a mulher e faz com que muitas vezes ela resista e até mesmo aposte que o agressor irá mudar. Se ela não tiver esse acompanhamento, muitas vezes não dá conta de fazer a denúncia ou de mantê-la. Então, temos cumprido nosso papel de criar condições.

Como?

Hoje, por exemplo, nós temos cursos de formação para a Polícia Civil. O próprio Ministério Público havia nos acionado no começo do ano para dizer que uma das principais denúncias do 180 [número para denunciar maus tratos contra as mulheres] era em relação ao atendimento que as mulheres recebiam em delegacias. Recentemente, esse mesmo Ministério Público nos afirmou que os dados revelam que esse índice de reclamação em relação aos policiais caiu 70% – o que já é um resultado desses cursos. Ou seja, além de humanizar o atendimento, faz com que homens e mulheres que trabalham na polícia tenham uma compreensão do que é essa lógica e recebam a mulher com uma outra perspectiva. Temos também uma parceria com a Universidade de Brasília, que nós queremos levar até outras instituições de ensino superior, para discutir o papel da academia na formação de profissionais que não estejam contaminados por essa lógica machista dominante. A partir daí, cada profissional que se formar vai ter um novo olhar. A educação superior precisa cumprir esse papel.

Existe ainda a Casa Abrigo. Qual a importância dela?

É um equipamento fundamental no enfrentamento à violência. Muitas mulheres não fazem a denúncia antes porque não têm para onde ir. Elas não têm emprego, têm filhos e imaginam: “bom, eu vou denunciar e o que vai acontecer comigo?” Então, o espaço público da Casa Abrigo é um espaço público de direito, de uma mulher que está em risco de morte – só vai para a Casa Abrigo quem está em risco real de sofrer uma violência mais grave que pode levar à morte. Por isso, ela precisa de todo atendimento psicológico, jurídico e de assistência social. Temos também um cuidado especial com os filhos dessas mulheres. Como nós atuamos em rede, remanejamos as crianças para escolas próximas à Casa, sem se expor. Nós temos estrutura com motorista, pedagogas e psicopedagogas, para cuidar da criança e ajudá-la, porque a violência doméstica fragiliza os filhos dessas mulheres e isso pode ter reflexo na aprendizagem. Entre mães e filhos, a Casa abriga com tranquilidade 50 pessoas. Por isso tudo, é um espaço fundamental e nosso governador Agnelo Queiroz criou essa nova casa, que hoje é considerada pelo Tribunal de Contas da União como a melhor Casa Abrigo do Brasil. Lá existem uma sala de leitura, espaços de convivência, área para fazer terapias ocupacionais e artesanato, aulas de massoterapia e de gastronomia. Tem espaço para atividades de lazer, como uma piscina. Tudo só é possível porque a Casa Abrigo é um programa de Estado, que integra diversos órgãos do governo, como a Secretaria de Educação, a Sedest (Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda), o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar e os profissionais da Secretaria de Saúde, por exemplo. Os convênios nos permitem manter programas como esse, sem interrupções.

Qual o perfil das mulheres que procuram a Casa Abrigo?

A Casa Abrigo é mais demandada por mulheres das classes mais populares, porque é a mulher que muitas vezes não tem para onde ir, não tem um emprego e, por isso, depende muito do Estado. Mas é importante registrar que a violência doméstica não é uma atividade específica das classes populares – ela campeia todas as classes sociais. Todas as mulheres estão sujeitas, assim como não existe um perfil de agressor. Como isso é uma questão cultural, pode estar em qualquer classe social, em qualquer faixa etária, com os empregados e os desempregados. A diferença é que a mulher mais pobre precisa do apoio do Estado. Eventualmente recebemos mulheres de classes mais abastadas, que não costumam ficar muito tempo, mas o suficiente para se organizarem e procurarem ajuda de parentes e amigos.

Existem outros equipamentos como a Casa Abrigo?

Temos outros dois espaços fundamentais que esse governo fortaleceu muito. Um é o Núcleo de Atendimento às Famílias Vítimas de Violência. É uma parceria da nossa secretaria com o Ministério Público. Temos hoje nove núcleos funcionando em diferentes circunscrições no Distrito Federal. Nossa meta é chegar a 14 núcleos, porque temos 14 circunscrições. O núcleo é uma equipe multidisciplinar, formada por representantes da área de assistência jurídica, psicólogos e assistentes sociais. Eles atuam normalmente dentro dos fóruns e dão suporte às mulheres que registraram ocorrências contra os maridos, mas que não foram para a Casa Abrigo porque não correm o risco de morrer e não precisaram sair de casa, mas precisam do apoio institucionalizado. É aí que entra o grande avanço deste governo: com a contratação de profissionais da área de psicologia para a nossa secretaria, tivemos a oportunidade de fazermos dentro de cada núcleo o que consideramos quase ideal. Em cada um deles temos dois psicólogos. Isso é muito importante, porque, como a questão é cultural, entendemos que podemos mudar o perfil desse agressor. Então, enquanto o processo está correndo, o agressor é orientado a fazer acompanhamento psicológico. Então, temos dois psicólogos: um que cuida do agressor e outro que cuida da vítima. A psicologia exige que o psicólogo que cuide de um não cuide do outro. Esse é um programa piloto para todo o país e que só é realizado em mais duas Unidades da Federação.

E qual é a outra estrutura?

São os centros de referência, que cumprem um papel muito semelhante ao do núcleo. A diferença é que o Centro atende aquela mulher que convive com a violência, mas ainda não compreendeu que precisa fazer a denúncia. É o que a gente chama de demanda espontânea. Lá a mulher vai encontrar a mesma estrutura de equipe que existe no núcleo, com psicólogos e apoio jurídico. A tendência é que, a partir desse atendimento correto, ela faça, mais adiante, um registro de ocorrência.

No fim do mês haverá uma ação concentrada de enfrentamento à violência. Como será?

São os 16 dias de ativismo contra a violência. O dia 25 de novembro é o Dia de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Todos irão se mobilizar em torno desse debate e os 16 dias de ativismo fazem parte dessa mobilização. Dentro dessas atividades, haverá a apresentação da peça de teatro A Cela, que é sobre essa temática. O teatro é uma bela linguagem para debater qualquer tema. Faremos também seminários e uma sessão solene na Câmara Distrital. Vamos mostrar à população que a violência não é uma questão menor.

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