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25/03/2019 às 19:32, atualizado em 12/07/2019 às 16:22
Estudo da Secretaria de Segurança Pública traça uma radiografia da violência contra a mulher no DF
Divulgado na noite desta segunda-feira (25), um estudo feito pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da Secretaria de Segurança Pública do DF traça uma radiografia da violência doméstica na capital do país. A maioria das vítimas de feminicídio no Distrito Federal nunca registrou um Boletim de Ocorrência sobre a violência que sofrida por parte de seus companheiros ou ex-companheiros antes de serem assassinadas. Apesar dos índices crescentes de violência contra a mulher em todo o Brasil, os autores não são denunciados e casos de agressões não chegam a ser levados às autoridades policiais.
De março de 2015 (quando foi implementada a Lei do Feminicídio) a 18 de março deste ano, foram registrados 68 casos de feminicídio no DF. O medo de prestar queixa contra o companheiro ainda é um obstáculo para a maioria das mulheres que sofrem violência doméstica. Até perderem a vida, 72,1% dessas vítimas assassinadas nunca haviam denunciado seus companheiros por maus tratos verbais ou psicológicos.
De acordo com o secretário-executivo de Segurança Pública do DF, Alessandro Moretti, é preciso que a Polícia Civil aprofunde os trabalhos de prevenção para chegar às mulheres agredidas que não fazem boletim de ocorrência. “Vamos ter que estudar esses casos [de feminicídio, em que as vítimas não denunciaram seus agressores], ouvir testemunhas e saber por que essas testemunhas não denunciaram nada antes”, disse, referindo-se aos episódios de violência em que as vítimas foram assassinadas.
Femicídios x homicídios
Desde 2018, o DF tem contabilizado mais feminicídios do que homicídios de mulheres. Dos 46 assassinatos de mulheres registrados no ano passado, 26 tiveram como causa o fato de a vítima ser do sexo feminino – configuração do conceito de feminicídio. Em 2019, das nove mulheres mortas até o último dia 18, cinco foram por crime de feminicídio.
Sobre os agressores, 54,4% tinham antecedentes criminais. Em 58,8%, havia entre a vítima e o agressor um casamento ou uma união estável, ainda que em 51% das mortes não tenham constado informações de agressões recorrentes. As agressões não registradas em boletins de ocorrência superam o percentual de casos que chegam às delegacias: 60% das mulheres sofrem a violência caladas e se mantêm longe das autoridades policiais.
O feminicídio é um termo de crime de ódio baseado no gênero, ou seja, a perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino simplesmente por serem mulheres. Alguns estudos afirmam que a expressão é originária de genocídio, que significa o assassinato massivo de um determinado tipo de grupo étnico, racial ou religioso. O assassinato de mulheres é classificado no Brasil como crime hediondo.
Ceilândia
Região administrativa mais populosa do Distrito Federal, Ceilândia lidera o número de casos de violência doméstica e assassinato de mulheres: foram 7.448 registrados da primeira modalidade e nove da segunda. Em seguida, vêm Samambaia, com 3.912 agressões e sete feminicídios, e Planaltina, com 3.549 ocorrências e três mortes.
É dentro de casa que a violência contra a mulher mais acontece. Dados mostram que 91,2% das agressões tiveram a própria residência da vítima como palco da violência. Brigas conjugais e ciúmes são as causas de 58,8% das agressões fatais a mulheres. Armas brancas, como facas, foram as mais utilizadas contra as vítimas e aparecem como responsáveis por 48,5% dos homicídios, enquanto as armas de fogo são determinantes de 26,5% dos casos.
Perfil
Donas de casa, com ensino médio completo, pardas e entre 19 e 29 anos de idade, são a maioria das vítimas. A idade média de mulheres assassinadas por homens com quem tinham ou tiveram um relacionamento é de 36 anos. Não há registro de menores de idade mortas por companheiros. A vítima mais velha tinha 61 anos.
Apesar dos sinais de agressões ocorridos durante os relacionamentos, 79,4% das mulheres assassinadas pelos companheiros não se encontravam sob medida protetiva. A maioria, 54,7%, também não estava em processo de separação.
É entre sábado e a madrugada de segunda-feira o período de maior incidência de homicídios: 47% dos casos registrados pela Secretaria de Segurança Pública acontecem nos finais de semana. O anoitecer dá mais coragem ao agressor: das 18h às 6h da manhã seguinte, são registrados 63,3% dos homicídios contra a mulher.
Ciúmes e crime
A assistente social K (nome fictício), de 41 anos, moradora do Guará, tinha o que considerava um “casamento perfeito”. No início da relação, o companheiro, pai e marido exemplar, proporcionava à família uma vida confortável e feliz. Até que ela decidiu estudar e trabalhar fora. As crises veladas de ciúme começam a surgir, bem como perseguições e comparações salariais. A relação durou 16 anos, até que, em 20 de abril de 2017, após uma discussão, o marido, embriagado, a feriu com vários golpes de faca na frente de dois dos quatro filhos.
“Eu não tive um quadro de violência durante meu casamento”, relata K. “Construímos muitas coisas juntos, nunca nos agredimos fisicamente. Tudo aconteceu depois que voltei a estudar. Por ciúmes, ele me vigiava na porta da faculdade e eu não sabia”.
Ela conta que não entendia como agressões as perseguições e os pedidos do marido para largar os estudos. “Eu fiquei desacreditada até que caiu a ficha de que ele estava querendo me matar na frente dos meus filhos”, afirma. “Muitas vezes eles falam que houve agressão porque estava bêbado, não sabia o que estava fazendo, e não é isso. Ele tinha total consciência de tudo que fazia”, lembra.
Mesmo ferida, K. conseguiu se trancar no quarto. A filha saiu para pedir ajuda, e logo os vizinhos vieram em seu socorro. O agressor foi preso em flagrante e ficou detido por oito meses. Atualmente, responde ao processo em liberdade. Apesar de ter contato com todos os filhos, ele é proibido de se aproximar da ex-mulher.
*Colaborou Daniela Brito