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20/06/2019 às 10:07, atualizado em 19/07/2019 às 16:06
Aos 93 anos, o engenheiro, que foi responsável pela construção da pista do aeroporto e pela cobertura asfáltica de boa parte da capital, lança livro contando suas sagas no mundo candango
Um dos primeiros sujeitos a pisar no chão vermelho de Brasília foi o engenheiro Atahualpa Schmitz Prego. Atualmente com 93 anos e vivendo em um casarão no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, sua terra natal, ele conversou por telefone com a reportagem da Agência Brasília. Conta que chegou aqui “no susto”, em outubro de 1956, depois de saber que a empresa na qual trabalhava, a mítica Metropolitana, havia sido contratada para “uns serviços” num lugar inóspito e distante do litoral. Enfim, longe de tudo. Parecia até sinopse do romance Coração das Trevas, de Joseph Conrad. Mas não tinha nada a ver com ficção.
“De cara, engenheiros experientes da firma recusaram a proposta; aceitei, depois de muita insistência do chefe”, lembra Atahualpa. “Cheguei a Brasília 20 dias depois da primeira viagem de Juscelino [Kubitschek] à região. Era um cerradão danado. Fui com a condição de levar mulher e filhos, que eram pequenos. Ela [a esposa] era muito prática e corajosa, me ajudou aguentar a dureza do começo”.
Engenheiro especialista em malha asfáltica da Companhia Metropolitana de Construção – perita em obras de terraplanagem e pavimentação, com sede no Rio de Janeiro –, ele trouxe na bagagem 31 anos de vida e a experiência de mais de 300 mil metros de estradas pavimentadas pelo país. A primeira missão abraçada já foi épica: construir a pista do aeroporto. Acabou fazendo tudo, inclusive a estação provisória de passageiros, toda de tábuas.
“Construímos a pista, o pátio, o estacionamento, o terminal de abastecimento, toda parte norte do aeroporto, que ficou com 3.300 metros por 46 metros, uma média expressiva, mais o prédio da estação”, enumera. Sob seu comando, lembra, labutavam aproximadamente de 60 operários. “Era um bocado de gente que trabalhava em máquinas e nas obras. A pista, que tinha 67 cm de espessura, até hoje está boa”.
[Olho texto=”Cheguei a Brasília 20 dias depois da primeira viagem de Juscelino à região. Era um cerradão danado” assinatura=”Atahualpa Schmitz Prego, engenheiro ” esquerda_direita_centro=”direita”]
Essas e outras dezenas de histórias acabam de ser reunidas num livro com mais de três mil páginas, intitulado Entrelinhas da Construção – Brasília. A obra, que será lançada em cinco volumes, estará disponível na internet, via loja virtual, e descreve, com a riqueza de detalhes e as delícias das memórias de um verdadeiro desbravador, as aventuras de mais de uma década vividas por aqui. “Até o momento, já temos as duas primeiras edições prontas”, antecipa o pioneiro. “Gosto muito de Brasília, eu a vi crescendo”, comenta, saudoso.
Salvando Leonel Brizola e JK
Momentos tragicômicos, heroicos e marcantes dessas sagas candangas, Atahualpa coleciona aos montes. Certa vez, andando de jipe pela cabeceira da pista do aeroporto, viu um avião fazendo pouso de emergência, raspando o chão, entre labaredas de fogo. Logo desembarca um assustado Leonel Brizola (à época, governador do Rio Grande do Sul), prontamente levado por ele a um hospital. Em outra ocasião, para receber o avião de Juscelino Kubitschek, o engenheiro ajudou a iluminar a pista do aeroporto com improvisadas buchas de balão, que foram acesas com estopas lambuzadas de graxa e sebo de carneiro. “Ainda levei uma espinafrada dele, porque o aeroporto não estava pronto”, diverte-se.
Mas a construção da pista do aeroporto e de sua primeira sede para passageiros seria só a ponta do iceberg da contribuição que esse pioneiro de primeira ordem deu à cidade. Dos primeiros acampamentos da empresa Metropolitana que montou, na antiga Cidade Livre, nasceu o Núcleo Bandeirante. Também ajudou a escavar o cascalho para a construção do Catetinho, o palácio de tábua, primeira morada de JK em Brasília. Quando riscaram no chão do Cerrado o marco zero de onde brotaria a cidade, lá estava ele.
Mas nada se compara à base do primeiro asfalto que cobriu as vias urbanas desenhadas por Lucio Costa para o Plano Piloto. Para esse projeto, Atahualpa desenvolveu rigorosos estudos do terreno, sendo o primeiro a implantar por aqui a técnica de preparo do solo e revestimento. Tudo foi realizado em um laboratório montado na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) –, da qual ele chegou a ser presidente, por um curto período, em 1962.
“Revirei essa terra toda, formei centenas de fiscais de pista especializados em geotécnica”, relembra. “Fiz muita coisa na zona sul da cidade – as tesourinhas, os pontilhões que passam por cima delas. Não gostava, era muito chato e cansativo, mas o Jango [João Goulart, então presidente] me pediu para segurar as pontas até ele indicar alguém politicamente.” Atahualpa também esteve à frente dos trabalhos de pavimentação do Lago Norte, de algumas estradas-parques e de trechos das rodovias BR 060 e 070.
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Sobrinho de Atahualpa Schmitz, , o jornalista, sociólogo, cineasta e professor de cinema Sérgio Moriconi acaba de gravar depoimentos do tio para utilizar em um documentário. O projeto, ainda em fase bem embrionária, assim como os livros publicados pelo engenheiro pioneiro, vai ajudar a eternizar os feitos de um homem que teve sua vida e alma misturadas ao cascalho batido e ao piche negro que besuntou os milhares de quilômetros do asfalto da nossa cidade. “É uma figura incrível, importante para a história de Brasília, e merece ter sua rica trajetória e relação com a cidade resgatadas”, defende Moriconi.