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01/08/2019 às 09:20, atualizado em 01/08/2019 às 11:16
Primeiro hotel construído em Brasília, o espaço se tornou símbolo do luxo, da cultura e do poder nos anos 60. Abalado por um incêndio em 1978, ele ressurgiu e voltou à ativa
…E tudo aconteceu por causa de uma cafeteira esquecida e ligada na tomada após uma reunião. Em questão de minutos, um rastro de destruição e caos detonou todo o terceiro andar do Brasília Palace Hotel, um dos primeiros prédios a serem erguidos na nova capital – em 30 de junho de 1958, junto com o Palácio da Alvorada. Era uma madrugada de agosto de 1978 e o incidente fechou por mais de 20 anos o lugar projetado por Oscar Niemeyer. Mas, como uma fênix brasiliense, o espaço se recuperou da tragédia e hoje brilha na paisagem bucólica do Setor de Hotéis e Turismo Norte (SHTN), à beira do Lago Paranoá.
“A reforma foi de 100%, aproveitaram só a estrutura de aço. Aliás, o Brasília Palace Hotel foi o primeiro empreendimento do Brasil a ser construído com vigas metálicas produzidas no país. Toda a estrutura de ferro foi mantida, só fizeram algumas recuperações, o restante foi todo reconstruído”, explica Mariana Ramalho, há quase dez anos gerente de operações do hotel.
Reerguido com quase todas as suas características originais em 2005, após investimento de mais de R$ 22 milhões de empresas vinculadas ao grupo Paulo Octávio, o empreendimento sofreu uma sutil alteração no desenho pioneiro feito por Niemeyer. Tudo foi acompanhado pelo escritório do arquiteto e seguindo as normas da época. Hoje, o hotel conta com pequenas sacadas que substituíram janelões panorâmicos. “É um projeto do Oscar Niemeyer, um marco”, destaca a gerente.
O hotel nasceu de uma necessidade orgânica. Dentro, os móveis antigos, alguns da época do surgimento do local, dão um clima de nostalgia mágica ao espaço. A ideia de Niemeyer era que o local acolhesse, num primeiro momento, os engenheiros, técnicos e arquitetos que aqui chegassem para a construção da cidade, então alojados na Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante) ou na Vila Planalto. Mas acabou servindo de base, também, para dezenas de visitantes que queriam conhecer, in loco, a grande epopeia faraônica do governo JK.
Baixinho, com seus três andares que lembram a estrutura dos prédios da Esplanada que vieram depois, o Brasília Palace Hotel tinha 135 quartos e foi o primeiro estabelecimento do gênero no Brasil a ter sistema de ar-condicionado. Nos seus anos de glória o lugar possuía, como estrutura, a piscina, quadras de vôlei, tênis e basquete, uma prainha charmosa formada na beira do lago, além de restaurante e dois bares. Os serviços do espaço foram oferecidos antes de sua inauguração, quando recebeu, ainda com as instalações incompletas, o então ditador paraguaio Alfredo Strossner. Era uma emergência.
“A dois de maio, Brasília recebe a visita do Presidente do Paraguai, General Alfredo Stroessner, (…), sendo ali realizado imponente banquete em homenagem àquele visitante”, escreve no livro Histórias de Brasília – Um Sonho, Uma Esperança, Uma Realidade, Ernesto Silva, um dos diretores da Novacap.
Concluído e inaugurado, o Brasília Palace Hotel virou referência de glamour e badalação na cidade. Era o espaço de confraternização e convivência dos pioneiros, gente da alta sociedade, políticos e embaixadores. E dos servidores vindos de outros pontos do país, que se encontravam nos bailes e festas no salão principal, um luxo só. Para começar, contava, e conta até hoje, com uma das primeiras obras assinadas pelo artista plástico Athos Bulcão, em Brasília. Com mais de 2m de altura, o trabalho, um mural com influências surrealistas, é bem diferente das intervenções realizadas com os conhecidos azulejos.
“As pessoas que acreditavam em Brasília e que vieram para cá não tinham espaços de lazer. O Iate Clube só ficaria pronto no começo dos anos 60, então o Brasília Palace Hotel era o lugar das famílias que chegavam à cidade”, diz a gerente Marina Ramalho. “Durante o dia aproveitava a piscina, havia uma quadra de esporte e acesso ao Lago, que estava em construção. À noite, ocorriam os bailes e aos domingos, a missa”, detalha.
Até por conta da posição estratégica, ou seja, de ser um dos poucos lugares de lazer e diversão, natural que o hotel fosse palco de importantes acontecimentos. Além dos bailes de carnavais e festas de réveillon, o espaço foi cenário para o primeiro concurso de Miss Brasília de 1959. O desfile de maiô foi realizado à beira da piscina oval do hotel que, reza a lenda, foi desenhada por Niemeyer nesse formato, porque era Páscoa na época.
No mesmo ano, no bar do Palace, Tom Jobim e Vinícius de Moraes tocaram pela primeira vez em público a música Água de Beber, registro pioneiro musical feito na nova capital durante passagem pela cidade. No ano seguinte, 1960, o Palace Hotel foi escolhido para celebrar o Ano Novo Judaico, realizado por centenas de israelitas que vieram trabalhar na construção de Brasília.
Apaixonado pelo hotel, o presidente JK, que chamava o lugar de “xodó”, fazia questão de apresentar o Palace às autoridades e comitivas que vinham conhecer as obras de Brasília e, durante os jogos da seleção brasileira no Mundial de 1958, não saia de lá. Há até uma foto clássica dele ouvindo a final da Copa, tendo como fundo, os azulejos de Athos Bulcão. Juscelino não escondia o encanto com o clima calmo, aconchegante e intimista do hotel, destoante dos demais estabelecimentos do gênero no setor.
[Olho texto=”Foi a última visita que ele fez em vida à Brasília. Teve algumas surpresas, outras nem tanto. A gente tem uma honra muito grande de ter essa Rural Willys aqui, por conta de toda a simbologia que ela traz” assinatura=”Mariana Ramalho, gerente do hotel” esquerda_direita_centro=”direita”]
“A gente brinca que ele é um hotel que sussurra, é muito tranquilo. Se alguém fala num tom mais alto, as pessoas se assustam”, observa a gerente Mariana. “É o lugar ideal na cidade para se hospedar com a família, pelo sossego, pela paz e beleza. Todas às vezes que venho a Brasília fico aqui. É um lugar que realça, em sua plenitude, a história de Brasília”, comenta o servidor público pernambucano Walter Abreu Diniz que, por conta do trabalho, vem pelo menos duas vezes ao mês à capital.
Na parte externa do hotel que seguia o modelo de administração nos padrões dos Estados Unidos, é possível o hóspede ou turista ver uma relíquia que pertenceu ao presidente JK. Trata-se de uma Rural Willys com a qual ele veio à cidade, às escondidas, em 1972, já que era um político caçado pelos militares. Contam que, na época, ele desembarcou de avião em Luziânia, seguindo, à paisana, no veículo em comitiva até a cidade que sonhou criar.
“Foi a última visita que ele fez em vida a Brasília. Teve algumas surpresas, outras nem tanto. A gente tem uma honra grande de ter essa Rural Willys aqui, por conta de toda a simbologia que ela traz”, diz, emocionada, a gerente Mariana Ramalho.
A lista de hóspedes que já passaram pelo Palace Hotel chama a atenção pelo ineditismo, elegância e diversidade. Símbolo do luxo, da cultura e do poder dos anos 60, o espaço serviu de pouso para a realeza mundial. Quando tudo em Brasília ainda era um canteiro de obras e poeira a perder de vista, estiveram por aqui, entre outros, o príncipe Misaka, do Japão, em junho de 1958; o príncipe Bernhard, da Holanda, em janeiro de 1959; além da duquesa de Kent, da Inglaterra, em março do mesmo ano.
Em abril de 1959, o comandante cubano Fidel Castro passou pela cidade, visitou o Palace, gostou do que viu, mas deixou para descansar o esqueleto em outras padrarias. Convidado pelo presidente Jânio Quadros para receber uma condecoração, em agosto de 1961, o colega de farda e ideologia, Che Guevara, ficou hospedado no apartamento 305. Estrelas da nossa música como Roberto Carlos, Wilson Simonal, Chico Buarque, Odair José e os comediantes Mussum e Zacarias desfrutaram do conforto e charme do espaço. Então no auge da carreira, ainda curtindo os louros do sucesso do disco Gitá, lançado um ano antes, o roqueiro Raul Seixas pernoitou no quarto 231, em junho de 1975. No mesmo ano, em novembro, Ney Matogrosso, no ápice da carreira solo, após arrebatar o país à frente dos Secos & Molhados, fez um show à meia-noite no Golden Room do Hotel.
À frente de uma equipe de 40 pessoas responsável pela limpeza e organização dos hoje 156 quartos do Brasília Palace Hotel, a governanta Rosimaria Rodrigues não esconde a satisfação de trabalhar num lugar com uma história tão bonita com a cidade. Ela conta que um dos momentos mais marcantes ali foi quando recebeu a seleção brasileira durante a Copa de 2014 e a musa das passarelas, Gisele Bündchen. “É sempre um grande prazer receber a clientela do estabelecimento, tenho orgulho de trabalhar num lugar com a importância que tem o Brasília Palace Hotel”, resume.