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30/08/2019 às 09:51, atualizado em 21/10/2019 às 13:23
À frente da Unidade de Assuntos Religiosos, Kildare Meira fala sobre a responsabilidade de promover o diálogo entre o governo e entidades sociais do DF
O advogado Kildare Meira tem uma missão de grande responsabilidade dentro do governo Ibaneis Rocha. À frente da Unidade de Assuntos Religiosos do DF, ele é a ponte entre o governo e todas as religiões existentes na capital federal. Também articula a relação do gabinete do governador, ao qual a repartição é ligada, com a sociedade civil. Desde janeiro, ele tem trabalhado intensamente para construir ações e parcerias que atendam às demandas desse segmento. Uma das bandeiras que defende é a diversidade cultural e a tolerância religiosa.
“O principal desafio que tivemos no início de governo foi o de recuperar a credibilidade entre essas entidades”, conta. “Temos uma densidade e frequência nas diversas igrejas e participação nas organizações sociais de maneira densa. Então, a principal função da Unidade de Assuntos Religiosos é estabelecer esse canal de comunicação com as organizações religiosas e sociais.”
O contato e o diálogo têm acontecido em diversos campos. A questão da regularização fundiária de igrejas e templos está entre as prioridades. Segundo dados da Terracap, mais de 1, 6 mil entidades estão no gargalo para receber escrituras, mas pouco mais de 230 conseguiram chegar lá. Entre as barreiras, estão os trâmites burocráticos, mas Kildare Meira garante que esses empecilhos estão com os dias contados, já que o GDF trabalha em soluções legais para resolver a situação.
Prova disso foi o lançamento, na última quarta-feira (28), no Palácio do Buriti, do programa Igreja Legal. Encampada pela Terracap e apoiada pela Unidade de Assuntos Religiosos, a iniciativa promete destravar a questão fundiária dos terrenos e de templos no DF. “Vamos pisar no acelerador na questão da regularização dos terrenos, instrumentalizando caminhos para que essas entidades consigam suas escrituras”, detalha o gestor, que, em entrevista à Agência Brasília, fala sobre os principais trabalhos realizados nesses oito meses de governo.
Qual o papel da Unidade de Assuntos Religiosos?
Fazer a articulação do gabinete do governador com as entidades religiosas e organizações sociais. É uma concepção do governador para enfrentar os problemas da cidade. Temos que envolver toda a sociedade civil organizada. Dentre elas, estão as igrejas e as organizações sociais. Então saímos em campo, multiplicando o gabinete, a presença do governador, para, no diálogo com as entidades, mapear quais são as demandas das igrejas, das organizações sociais e do povo que frequenta as igrejas, assim como saber o que essas entidades podem oferecer para ajudar na solução de suas próprias demandas e dos problemas que o DF tem dentro desse tema. Temos consciência de que vivemos numa comunidade que é formada por pessoas religiosas. É um elemento de que não podemos abrir mão. Então, a principal função da Unidade de Assuntos Religiosos é estabelecer esse canal de comunicação com as organizações religiosas e sociais.
Quais os principais desafios?
O principal desafio que tivemos no início de governo foi o de recuperar a credibilidade junto a essas entidades religiosas e assistencialistas do DF. Havia uma desconfiança muito grande com relação ao governo. Logo quando chegamos, nos deparamos com a questão da retomada da política de creches no Distrito Federal envolvendo a Secretaria de Educação. Quando assumimos o governo, tinha uma decisão judicial que já havia transitado em julgado, condenando o DF a zerar o déficit de creches para crianças de zero a três anos de idade.
O que foi feito em relação a essa questão?
A primeira coisa que fizemos foi negociar com o Ministério Público para que o impasse fosse resolvido em quatro anos, até porque era uma promessa de campanha, um compromisso do governador Ibaneis. Então procuramos as entidades para planejar o desafio de ofertar mais vagas, e a primeira sinalização que tivemos foi de que elas não tinham interesse nessa parceria por conta de pagamentos atrasados e desconfiança em relação ao GDF. O que fizemos foi mostrar que a direção tinha mudado, o governo estava sob uma nova diretriz, que o objetivo era agir com transparência, estabelecer um calendário, recuperar a regularidade no pagamento, dar uma previsibilidade… Havia até uma expectativa de reajuste, algo que não acontecia desde 2017. Negociamos esse reajuste e recuperamos a credibilidade.
Nesta semana, foi lançado pelo governador o programa Igreja Legal, um projeto que pretende ser um grande avanço na questão da regularização dos terrenos no DF.
Uma questão fundamental da nossa unidade é a normalização fundiária de igrejas e de templos. Basta dizer que temos uma lei que trata desse assunto, a Lei Complementar nº 806, de 2009, que dispõe sobre a política pública de regularização urbanística e fundiária das unidades imobiliárias ocupadas por entidades religiosas de qualquer culto para celebrações públicas ou entidades de assistência social e dá outras providências. Segundo essa norma, inicialmente há uma relação de mais de 1.600 entidades previstas para regularização. Até agora só tinham sido regularizadas pouco mais de 230 entidades. Nós recebemos da Terracap uma relação de igrejas que já estavam com a documentação pronta, bem perto de conseguir a escritura, mas as entidades não nos procuravam simplesmente porque não tinham como pagar. Nós, então, estamos trabalhando em cima dessa questão agora. Uma das alternativas será o lançamento de leis que mudarão o entendimento e a extensão da possibilidade de concessão gratuita para entidades religiosas por meio de um mecanismo chamado “moeda social”. Ou seja, vamos instrumentalizar caminhos para que essas entidades consigam a regularização de seus terrenos. A nossa expectativa é que possamos avançar nesse universo de mais de 1.300 espaços que faltam para ser regularizados. Nesse processo de regularização dos terrenos religiosos, constatamos que existiam segmentos inteiros que estavam afastados desse processo, como era o caso das religiões de matrizes africanas, e estamos conseguindo mudar essa realidade.
Há, inclusive, uma parceria com o Simplifica DF.
Essa tem sido uma das nossas maiores preocupações. A maioria das igrejas não tem alvará e não funciona regularmente. Fizemos contato com o Simplifica DF, e eles levantaram as igrejas que estão legais, passando-nos as instruções sobre as que não estão. O combinado é que iriam designar um funcionário para atender a todas as igrejas que precisam se regularizar. Uma igreja não pode ser tratada como uma empresa – foi uma diligência que fizemos junto ao Simplifica DF para atender à demanda.
O que é, de fato, a “moeda social”?
A moeda social foi um nome dado pelo governador em campanha para explicar a contrapartida das entidades de assistência social em troca das concessões gratuitas dos terrenos. Elas ganhavam os terrenos e se comprometiam a prestar serviços sociais à sociedade, numa parceria que envolvia, até então, só a Secretaria de Desenvolvimento Social [Sedes]. Neste governo, ampliaremos essa modalidade de “moeda social” para as igrejas e organizações sociais, trabalhando em ações nas áreas de saúde, educação e justiça – enfim, em serviços gratuitos para a população.
É verdade que existe a ideia de construção de uma rota turística religiosa em Brasília?
Temos levantado com diversas organizações religiosas, diversas igrejas, aquilo que possa ajudar a fomentar o turismo e na geração de emprego dentro da nossa cidade. A gente tem conseguido mapear as demandas das igrejas que impactam na questão trabalhista – turismo religioso e renda. Uma sugestão nesse sentido que estamos articulando no momento é a criação de rotas turísticas que desenvolvam o turismo religioso. Em reuniões com o governador Ibaneis, religiosos sugeriram para a Secretaria de Turismo a criação de uma peregrinação católica, como existe em Santiago de Compostela [Espanha], envolvendo os principais templos religiosos católicos de Brasília: a Catedral Metropolitana, a Ermida Dom Bosco e a Igreja Dom Bosco, o Templo do Menino Jesus em Brazlândia e o Santuário de Mãe Rainha no Caminho de Sobradinho, perto da Torre Digital.
O que o senhor pode falar sobre a criação do Museu da Bíblia em Brasília?
Dentro da perspectiva da geração de emprego e renda, nós fizemos uma interlocução com a Sociedade Bíblica do Brasil [SBB], que não é uma igreja, mas uma organização social, para construir o Museu da Bíblia – projeto, inclusive, previsto dentro da Lei Distrital. Esse memorial deve ser erguido próximo à Rodoviária do Plano Piloto. Vai ser um espaço que, já na sua construção, vai gerar emprego, com previsão de fluxo de 50 mil turistas por ano. As tratativas para que esse empreendimento aconteça estão sendo realizadas entre a Sociedade Bíblica do Brasil e o Conselho Nacional de Pastores, tudo sem nenhum recurso público. Quem vai bancar a construção é a própria sociedade bíblica.
Como funciona a parceria entre a Unidade de Assuntos Religiosos e a Secretaria de Justiça e Cidadania envolvendo as igrejas na campanha contra a dengue?
A campanha de prevenção à dengue pode ser feita pela televisão e pelo rádio, mas não existe nesse sentido ação mais eficiente do que o de boca em boca. E não existe uma rede de capilaridade maior para difundir essas informações dos que as igrejas. Onde tem povo, tem igreja, e elas estão espalhadas por todo lugar. Sabendo disso, procuramos a Secretaria de Saúde para, na campanha de verão de 2020, mobilizar as igrejas e fazer uma campanha de esclarecimento de combate à dengue. Tudo sem nenhum custo, uma comunicação direta, barata, e as igrejas têm interesse e vocação para isso, porque elas defendem a vida. Ou seja, vai ser um compromisso das igrejas num movimento em defesa da vida, em defesa da saúde de seus fiéis e da população como um todo. É essa sinergia, esse tipo de interação que buscamos dentro do governo, e temos trabalhado para isso.
Como é o trabalho de voluntariado envolvendo todas as igrejas do DF na luta contra as drogas?
Desde abril, vem acontecendo ocupação social em diversas áreas degradadas pelas drogas no DF. Nós estamos até fazendo um convênio com a Subsecretaria de Enfrentamento às Drogas [Subed], numa parceria que traz as igrejas para ajudar na mediação dessa luta. Nada melhor do que as instituições religiosas para poder resgatar, orientar e acolher; e o Estado, por meio da Sejus [Secretaria de Justiça e Cidadania], participar, colocando à disposição as unidades terapêuticas conveniadas com o DF. Ou seja, aquele dependente que quiser um tratamento vai direto a uma dessas instituições para se tratar. Algumas ações já foram feitas, a primeira no Paranoá; e, nesse dia, 15 dependentes químicos já foram internados de imediato numa unidade terapêutica conveniada com o Estado. Com isso, diminui o índice de usuários de drogas na praça, bem como a criminalidade, o roubo, assalto e a violência. É um trabalho aberto a todas as entidades religiosas.