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02/10/2019 às 12:36, atualizado em 02/10/2019 às 13:51
A Agência Brasília reproduz o texto do governador do DF, Ibaneis Rocha, publicado na edição desta quarta-feira (2) do jornal Correio Braziliense
Na vida das instituições há momentos de alta gravidade, que estou convencido estarmos atravessando, e que nos obrigam a sair do conforto de esperar que as coisas se ajeitem, mesmo saltando aos olhos a degradação de valores de moral, de justiça e noção de pátria. É do futuro da democracia que estamos falando, e, se não dermos nossa face à nação, talvez amanhã seja tarde demais.
Porque democracias morrem, democracias definham, democracias se matam. E, para que nenhuma dessas possibilidades ocorra – e isso também é uma verdade histórica –, é necessário cuidado.
Há explicações de toda ordem para o que vem acontecendo em nosso país. Explicações que vão desde o descrédito na política, os reincidentes escândalos de corrupção, a impunidade, até as redes de desinformação e o papel que elas exercem como instrumentos de manipulação. Tudo é importante para o debate, para buscar entender. É com espanto, surpresa e perplexidade que a população reage a cada vez que busca o noticiário.
Onde estamos vacilando?
É fácil degradar a exuberância da floresta amazônica, pondo abaixo uma grande área de troncos milenares com uns poucos machados. Difícil é fazer o contrário. A devastação dos valores democráticos que conquistamos a duras penas está indo no mesmo ritmo.
Que Brasil estamos mostrando ao mundo quando mais precisamos vender nossos produtos, quando mais precisamos atrair investimentos e quando é necessário ampliar os mecanismos de cooperação bilateral? Por outro ângulo, que segurança – física e jurídica – estamos oferecendo ao cidadão comum quando pessoas públicas que deviam dar exemplo de prudência aparecem armadas para a guerra? A importância dessa reflexão não decorre exclusivamente do ingresso de novos atores na cena institucional, mas da gravidade a que se pode atribuir o estado geral da nação nos últimos tempos.
Vejamos a crise no Judiciário. Não é preciso abalar a institucionalidade ou atropelar regras comezinhas do devido processo legal para perseguir a corrupção, para investigar, processar, julgar e condenar aqueles que cometem os silenciosos crimes que minam os sonhos da sociedade. Há casos anteriores à Lava Jato que demonstram isso.
[Olho texto=”Não é preciso abalar a institucionalidade ou atropelar regras comezinhas do devido processo legal para perseguir a corrupção, para investigar, processar, julgar e condenar aqueles que cometem os silenciosos crimes que minam os sonhos da sociedade” assinatura=”Ibaneis Rocha, governador do DF” esquerda_direita_centro=”direita”]
Tome-se como exemplo o julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal. O processo do mensalão passou por dois procuradores-gerais da República – Antônio Fernando fez a denúncia acolhida pelo STF em 2007 e Roberto Gurgel atuou no julgamento em 2012 –, teve 40 réus, 53 sessões, quase um semestre de debates contínuos da Corte Máxima e nenhum atropelo. O que se pôde anotar de um processo cujo acórdão trouxe mais de oito mil páginas foram arroubos retóricos. Nada perto dos descaminhos que enxergamos hoje em outros processos.
Não houve conduções coercitivas sem intimação prévia, nem buscas e apreensões por questões simbólicas. Não houve uso de argumentos ad terrorem, nem o nascimento de pseudojuristas acima de qualquer suspeita. Enfim, foram condenadas 25 pessoas por envolvimento em atos corruptos com o sagrado direito de defesa garantido nas minúcias.
Esperávamos que ali os corruptos tivessem aprendido uma lição. Não aprenderam. Mas tampouco nossos órgãos de investigação aprenderam algo. Vacilaram, vacilamos todos na medida em que não se pôs o dedo na ferida. A lei, quando usada como instrumento de Estado, se presta tanto à tirania quanto à justiça, à liberdade ou à opressão, à equidade ou à iniquidade, para consolidar a democracia ou para enfraquecê-la.
O fato é que não conheço condenações da Ação Penal 470 sob risco de se transformar em exemplos de processos de exceção. Já não se pode dizer o mesmo depois disso. Porque, repito, vacilamos.
As interpretações dadas ao direito de defesa e contraditório são hoje contaminadas pelo debate ideológico que parece sobrepor-se ao princípio constitucional, que, de tão claro, nada deixa a esperar a não ser a sua obediência. É direito fundamental, humano, que remonta à origem dos povos civilizados, a faculdade de ouvir as considerações do réu a respeito dos fatos que lhes são imputados.
Tenho fé que o Judiciário há de sobreviver a esses tempos que nos remetem a uma distopia nunca imaginada. Intencionalmente ou não, nos tornamos um laboratório de experiências, tendo o povo como cobaia. Ninguém suporta mais. O Brasil segue contraditório com uma das maiores concentrações de riquezas e sem resolver o problema mais básico de identidade, de olhar para o que ele é de fato: um país de muitas caras.
E é nesse ambiente de contradições, de debate e de confronto de ideias, que convido as cidadãs e cidadãos de bem deste país a continuar alimentando a utopia de nossos sonhos, de um país democrático e de inclusão, de oportunidades para todos, justo, tolerante e pacífico. Não podemos vacilar mais. De minha parte, não vou desistir jamais da democracia e do Brasil.