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09/10/2019 às 16:53, atualizado em 10/10/2019 às 09:03
Às vésperas do Dia das Crianças (12/10), a Agência Brasília publica reportagem especial para alertar pais e responsáveis sobre o uso das redes sociais
Uma briga entre irmãos – um caçula de 7 anos e uma menina de 12 – foi parar na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) do Distrito Federal. Sentindo-se injustiçada em uma briga familiar, a adolescente não deixou por menos e revelou um segredo: “Deem uma olhada no tablet dele”. Ao conferir o material, os pais tomaram um susto. O menino tinha acessado inúmeros sites de sexo e de garotas de programas e salas de bate-papo. Preocupados, os responsáveis procuraram a DPCA.
Esse é só um dos casos que ilustram a atuação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no combate ao crime de pedofilia nos meios digitais. Obviamente, o episódio acima não configura exatamente um caso de pedofilia – termo, aliás, que agentes de polícia nem gostam de usar (preferem abusador), mas esboça a vulnerabilidade das crianças e adolescentes no mundo virtual.
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“A internet é um grande mundo onde nunca sabemos com quem estamos lidando, ali do outro lado, ou o que acontece. E as crianças têm acesso ilimitado a esse universo, um acesso não fiscalizado, não regulado, não orientado. Não existe uma educação digital. Nem para as crianças, nem para os pais”, observa a delegada Ana Cristina Melo Santiago, desde 2017 à frente da delegacia.
Não existe uma lei específica sobre os crimes cibernéticos ou pedofilia na internet, mas há legislação pertinente. Além do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a DPCA se ampara na Lei nº 12.015/09 do Código Penal. No artigo 213, é definido como crime de estupro o constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se tenha outro ato libidinoso. Como a vítima tem menos de 18 anos, a pena de reclusão é de 8 a 12 anos.
O combate à pornografia infantil e a crimes de pedofilia na internet no DF é feito diretamente pela DPCA e pela Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC). A primeira aposta no lado humano e psicológico das vítimas. A segunda, específica na área técnica, centraliza esforços no trabalho de rastreamento dos possíveis criminosos.
As atividades são desenvolvidas por dois policiais, ambos especializados no assunto, que usam ferramentas norte-americanas no enfrentamento dos vários problemas relacionados ao crimes digitais contra crianças e adolescentes. A parceria entre a DPCA e a DRCC está em curso desde abril de 2017 e envolve mais dez agentes.
“A partir desse ano começamos a fazer nossas próprias operações, porque o pessoal já foi treinado e temos todas as ferramentas para desenvolver os trabalhos. Agora podemos andar com nossas próprias pernas”, explica o chefe da DCRR, Giancarlos Zuliani.
“Feito o rastreamento, um relatório é preparado identificando as pessoas, o que nos credencia a entrar com um mandado de busca e apreensão. Vasculhamos os computadores do suspeito”, completa Zuliani. “Se achamos material de pornografia a pessoa é presa em flagrante.”
Configura crime de natureza pornográfica relacionado à pedofilia nas redes sociais baixar qualquer tipo de material, produzir registro sobre o assunto ou difundi-lo. “Quando você difunde, a pena é maior”, acrescenta o chefe da DCRR.
Deflagrada no início de setembro deste ano, a 5ª fase da Operação Luz na Infância – ação coordenada pela Ministério da Justiça que busca identificar os responsáveis e assegurar proteção a crianças e adolescentes –cumpriu 105 mandados de busca e apreensão de arquivos em 14 estados e no Distrito Federal. Na ocasião, quatro pessoas foram presas no DF.
Para Ana Cristina Melo Santiago, o melhor caminho contra o estupro virtual é a prevenção. Daí a extrema importância da presença dos pais. “Eles têm que ficar atento com o que está acontecendo em volta. Achar que o filho está seguro, por ficar dentro do quarto, é uma ilusão. Elas podem estar correndo o maior perigo dentro da própria casa”, avalia.
Segundo a delegada, aquelas crianças e adolescentes que ficam mais “soltas”, ou seja, sem a supervisão dos responsáveis, são as prováveis vítimas não apenas desse tipo de delito, mas de crimes em geral. Foi o que aconteceu com uma jovem de 14 anos de Planaltina, assediada pelas redes sociais por um hacker do Espírito Santo, em 2014. O caso ganhou as manchetes nacionais e teve envolvimento da PCDF depois que a garota procurou a delegacia com a ajuda de um amigo.
“Só soube o que estava acontecendo depois que o rapaz foi preso. Ela ficou muito tempo sofrendo sozinha. A gente fica mais preocupado com os problemas do dia a dia e esquece do que está do nosso lado. Foi falha nossa”, admite a mãe da garota, hoje com 18 anos. “Adolescência é uma fase difícil, eles não são muito abertos, não são de falar o que está acontecendo, ela não teve coragem de nos contar. Preferiu se abrir com um amigo”, desabafa.
Preso na cidade capixaba de Alegre, em agosto de 2018, o jovem de 23 anos, conhecido no mundo cibernético com o pseudônimo Snow, coagia a adolescente para enviar fotos íntimas da vítima. Durante as conversas, Snow pedia que ela se tocasse intimamente. Se não fosse atendido, o abusador ameaça divulgar fotos e vídeos pelas redes sociais. Acusado de crime similar em Santa Catarina e no Paraná, o rapaz foi condenado a 12 anos de prisão e devidamente recolhido ao Complexo Penitenciário da Papuda, no DF.
Para fazer o atendimento dessas vítimas na DPCA, o procedimento é bem específico. A começar pelo ambiente. Nada de balcão de delegacia, grades ou gente entrando algemada.
Na recepção da unidade na PCDF, por exemplo, uma sala lúdica com estante cheia de livros infantis, cadeiras e mesas temáticas ficam à disposição de quem chega. “Não é uma questão de estética. O lugar foi pensado para que eles se sintam no seu ambiente. Para que, quando elas forem embora, entendessem que outras crianças e adolescentes passaram por aqui”, diz Ana Cristina, da DCPA.
Visando dar mais tranquilidade a agentes e privacidade às vítimas na hora de registrar as ocorrências, dois boxes privativos foram construídos na entrada principal. Salas especiais pintadas, decoradas e mobiliadas com objetos e cores alegres, recebem as vítimas para oitivas com acompanhamento da polícia judicial. Ali, agentes capacitados gravam em áudio e vídeo os depoimentos dos pequenos.
Na página da PCDF é possível ter acesso a um protocolo e ao manual que norteiam esses procedimentos. Desenvolvidos em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), o documento tem sido adotado por outras polícias do país.
“A UnB entrou com toda a metodologia científica e a PCDF com o conteúdo e a parte técnica”, destaca a delegada. “Existe uma legislação muito nova, a lei 13.431, que criou esse novo sistema de garantia de atendimento de criança e adolescente, estabelecendo vários requisitos para as oitivas”, explica.
Acostumada a dar palestras sobre o tema em escolas públicas e privadas do DF, a delegada Ana Cristina dá dicas de como proceder em caso de suspeita de assédio virtual. Uma das primeiras coisas a fazer é procurar uma delegacia e revelar o que está acontecendo.
Assim, a Justiça pode analisar se a conduta suspeita se enquadra na legislação brasileira. A outra providência é não assustar o suspeito. Isso porque existe a possibilidade de o criminoso apagar tudo diante da simples ameaça de chamar a polícia, por exemplo. “Ele pode apagar tudo, daí não vai ter como rastrear, não vamos nunca chegar a essa pessoa”, alerta.
Algumas dicas de segurança listadas pelo site MdeMulher:
*Nem entre quatro paredes seu filho está seguro;
*Mantenha o computador que as crianças usam em áreas comuns, como a sala de estar, e com o som aberto (sem fones de ouvido);
* Navegue junto com os pequenos nos primeiros anos de contato deles com a internet;
* Altere as configurações do YouTube para que o site não faça indexação de vídeos. Isso significa que diminuirão as sugestões de outros vídeos relacionados que surgem no canto da tela ou no fim de cada exibição;
* Não proíba os pequenos de entrar em redes sociais, embora não sejam recomendadas para menores de 13 anos. Se fizer isso, eles entrarão escondidos. Melhor conversar sobre os riscos e convencê-los a nunca adicionar estranhos. Atenção: crianças não têm 300 amigos;
* Não tente controlar cada passo online de um filho adolescente. Dialogue com ele sobre a vida virtual e mostre como evitar riscos. Assim, ele não a verá como uma “bisbilhoteira”;
* Se seu filho joga pela internet com desconhecidos, oriente-o a criar um apelido e nunca abrir informações pessoais. Aborde noções de privacidade – e o valor disso – com crianças e adolescentes;
* Explique a importância de nunca repassar a senha a amigos;
* Estabeleça horários para navegar e não deixe seus filhos conectados o dia todo;
* Oriente os pequenos a não publicar informações sobre os locais que frequentam.