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31/12/2019 às 08:30, atualizado em 31/12/2019 às 12:20
Por meio de cartas escritas por internados da rede pública hospitalar do DF, profissionais da área trocam experiências e valorizam a humanização no tratamento
Numa Berlim ainda dividida pelo muro da ideologia, dois anjos velam pelas almas perdidas daqueles que sofrem em silêncio diante dos impulsos humanos. Eles representam um sopro de esperança para os aflitos, um raio de luz aos necessitados de caridade. Dirigido no final dos anos 80 pelo alemão Wim Wenders, o filme Asas do desejo apresenta um toque humanista que dialoga com a rotina de trabalho de muitos servidores da rede pública hospitalar do DF.
Os funcionários não têm formas aladas, mas um espírito de comiseração com o próximo que faz toda diferença no tratamento diário com pacientes fragilizados. Uma entrega retribuída de forma sincera por cartas cheias de amor e gratidão – relatos emocionantes como esse de um bilhete de novembro, endereçado à equipe de neurocirurgia do Hospital de Base.
“Se existem anjos aqui na Terra, sim, são vocês”, escreve o autor, reconhecendo o profissionalismo da equipe do HB. “Vocês são prova de que o sucesso é alcançado através do talento, determinação e trabalho duro (…), permitindo que tudo seja feito com amor”, continua o registro.
Noutra correspondência de setembro, uma paciente que sofreu infarto agradeceu a intervenção divina por sua recuperação e tratamento – mas sem se esquecer, claro, do carinho e presteza dos profissionais da instituição. “Primeiro agradeço a Deus pela minha vida e, em segundo, a vocês profissionais, que me atenderam muito bem, cuidaram de mim de uma forma especial”, descreve a senhora. “Eu sei que vocês foram usadas por Ele para salvar a minha vida”, contou.
Vazio social
Numa época em as relações humanas estão perdidas no vazio artificial das redes sociais e que os contatos interpessoais estão cada vez mais raros e distantes, gestos de reconhecimento e agradecimento como estes têm valor. Sobretudo se esses laços de afeto e calor humano são construídos por uma ferramenta de comunicação aparentemente obsoleta, mas ainda eficiente.
“Essa é a forma que muitos têm de agradecer. Alguns rascunham essas cartas em qualquer pedaço de papel e pedem para expor para toda a equipe o que escreveram”, conta, sensibilizada, a supervisora de enfermagem da Unidade de Neurocirurgia do Hospital de Base, Amanda Borges Oliveira. “É uma motivação, mostra que o nosso trabalho está mais humanizado”, avalia a servidora. A unidade onde trabalha atende 50 pessoas todos os dias.
O poder mágico das palavras faz milagres. Pode, literalmente, não mover montanhas, como diz aquela metáfora bíblica, mas, sabendo usá-la, é um agente transformador. O que o diga a secretária-executiva do Hospital de Santa Maria, Rosiane Wekerlin.
Ela, mesmo trabalhando numa área técnica da instituição, tem diariamente contato com os pacientes: a ponto de saber desenhar o perfil desses pacientes, muitos deles extremamente gratos pelo atendimento exemplar e humano usufruído na rede de saúde do DF, vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
“A maioria dos pacientes chega extremamente sensível, fragilizada. Nada mais justo do que tratá-los com muita atenção”, destaca a funcionária, lembrada por um ex-hospitalizado, junto com outros servidores, entre eles enfermeiros e médicos, como “anjos do bem”. Ou, como o próprio paciente relatou: “pessoas que o trataram de maneira humana, nobre, gentil e ágil com o atendimento do qual necessitei e tive pronta-solução”.
Cuidados paliativos
A solidariedade afaga a alma, alivia o espírito. Há 17 anos lotada no Hospital de Base, a terapeuta ocupacional Verônica Ferrer sabe muito bem o peso e relevância desse ato. Por isso que, junto com a equipe multiprofissional e interdisciplinar de cuidados paliativos do HB, ela faz a sua parte. “O nosso foco é contribuir para diminuir a dor, seja física, social, psicológica ou espiritual”, explica. “Aqui não cuidamos da doença, mas da pessoa e seu comprometimento na vida funcional, junto aos familiares”, salienta.
No total, 11 pessoas – entre médicos, assistente social, psicóloga, enfermeiras, terapeuta ocupacional e técnicos administrativos – compõem o grupo de serviços de cuidados paliativos do Hospital de Base. Na essência, o trabalho se resume ao atendimento ambulatorial, com especialização na complementação do tratamento oncológico dos pacientes vinculados ao SUS que frequentam a instituição.
O cuidado integral de uma vítima de câncer acontece tanto em grupo quanto individualmente – atendendo cada especialidade profissional -, também estendendo às famílias dos pacientes. Inclusive no acompanhamento pós-morte.
Assim, embalados por genuíno sentimento humanista tão presente neste final de ano, o grupo realizou uma confraternização bem especial para os seus pacientes. Foi um café natalino, sonho antigo da equipe, que contou até com policiais militares e outros voluntários de dentro e de fora do Base.
[Olho texto=”Cuidamos de pessoas que chegam com dores na alma” assinatura=”Flávia Nunes Fonseca, psicóloga do Hospital de Base” esquerda_direita_centro=”esquerda”]
Na ocasião, foi realizada na sala de espera da unidade uma pequena exposição com vários cartões de Natal criados pelos pacientes durante uma oficina idealizada pelo departamento de terapia ocupacional. Encontro contou também com a participação de familiares dos internados, todos presenteados com anjos criados em outra oficina realizada no HB e panetones angariados em diversos lugares pelos servidores da casa.
“Foi a realização de um desejo. Aqui é mais que um trabalho, é um propósito de vida. Cuidamos de pessoas que chegam com dores na alma”, descreve a psicóloga Flávia Nunes Fonseca, do Hospital de Base, também voluntária, desde 2014, de um grupo que realiza ações similares em hospitais do DF no mês de dezembro.