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02/04/2020 às 19:17, atualizado em 03/04/2020 às 15:51
Conheça a história das primeiras unidades hospitalares do DIstrito Federal
Em evidência nestes tempos sombrios que parecem ter emergido das páginas do romance existencialista A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus, os aguerridos profissionais da saúde do DF têm muito do que se orgulhar quando se trata da história do sistema hospitalar surgido na nova capital. Trata-se de passado marcado pela vanguarda, empenho e dedicação de pioneiros do setor que fizeram e, como mostram os dias atuais, fazem toda a diferença.
Tudo começou em meados dos anos 50. Com aquele que foi oficialmente o primeiro médico a pisar solo candango, o carioca Ernesto Silva (1914-2010). E, por ostentar condição tão peculiar – ou seja, a de ser um dos exploradores da região – até o final de seus 95 anos de vida, ele seria lembrado pela alcunha de o “pioneiro do antes”. Cabe o registro de que Dr. Ernesto, também militar, de fato só iria arregaçar as mangas em prol da saúde no DF em meados dos anos 50, quando assumiu uma das diretorias da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
Homem de confiança de JK, fora encarregado pelo presidente de implantar as diretrizes não apenas da saúde na cidade surgida do nada, no meio do Cerrado, mas também do plano educacional.
[Olho texto=”“Como Brasília era realmente um famoso terreno de obras, os acidentes de trabalho começavam a surgir diária e assustadoramente”” assinatura=”Edson Porto, pioneiro do setor de saúde pública no DF, sobre o HJKO” esquerda_direita_centro=”direita”]
“Assumi o cargo por mérito, sem indicação política, já que Juscelino sabia que eu conhecia bem a região”, lembraria anos depois.
Nascida sob a égide da modernidade, o Plano de Saúde do DF, assim como outros elementos sociais indispensáveis para o funcionamento de uma cidade, era para ter sido essencialmente “uma obra original, isenta de erros e vícios, adaptada à rápida transformação por que passa o mundo”, como Ernesto Silva escreveu no livro História de Brasília – Um sonho, uma esperança, uma realidade.
Modernismo “assustador”
Gaúcho de Pelotas que chegou a Brasília no final dos anos 60 para fazer parte do quadro do Hospital de Base – na época chamado de Hospital Distrital –, o médico aposentado Cláudio Luiz Viegas, hoje com 74 anos, recorda que o conceito modernista da então nova capital do país assustou um bocado de gente.
Para ele, a cidade estava muito à frente de muitos governantes que a tiveram sob comando, bem como dos profissionais que chegaram à nova cidade para trabalhar em diversos segmentos.
“Muitos não estavam preparados”, avalia o profissional da saúde, que chegou aos 24 anos à capital federal. Ele atuou primeiro como clínico geral e, depois, passou a se dedicar à pneumologia.
Os primeiros postos e atendimentos
Assim como quase tudo no começo de Brasília, a saúde no DF teve início com um empurrão da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), a partir da criação de um departamento que prestou relevantes serviços à coletividade. Resumia-se a um mero barraco de madeira construído no acampamento da empresa, o que viria a ser o primeiro núcleo hospitalar do Planalto Central.
Em tempos de coronavírus, o Departamento de Saúde da Novacap, sob direção do Dr. Jairo de Almeida, ainda nos primórdios da cidade prestou inúmeros serviços de natureza preventiva junto à jovem população que se formava. A partir de um convênio firmado com o Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Endemias Rurais (DNERu), manteve em sua sede um intenso serviço de vacinação contra variólica, paralisia infantil e combate a viroses como sarampo, caxumba e rubéola.
E não apenas isso. Um ambulatório oferecia medicamentos de urgência, aplicação de injeções e até pequenas cirurgias.
No acampamento do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (Iapi), localizado entre a Candangolândia e a então Cidade Livre (hoje, Núcleo Bandeirante), seria montado também em madeira outro posto pioneiro de saúde que atendia os trabalhadores em peso.
“Havia um só médico, recém-formado, mas dedicado e prestativo”, lembraria Ernesto Silva em suas memórias. Era o jovem médico mineiro Edson Porto, mineiro de Araguari, que acabara de chegar de Goiânia, aos 26 anos.
“Brasília foi uma necessidade de sobrevivência, força de contingência, não pelo fato de acreditar na cidade”, admitiria o médico ao Programa de História Oral do Arquivo Público, gravado em fevereiro de 1989.
“Como todo médico, ou qualquer iniciante de uma carreira, eu tinha ambição de me projetar, de me realizar dentro daquela atividade. Como não havia a possibilidade de trabalhar em Goiânia naqueles primeiros anos, me ofereci para dar assistência em Brasília”, confessaria.
E foi bem ali, no acampamento do Iapi, que em julho de 1957 seria inaugurado o Hospital Juscelino Kubistchek de Oliveira (HJKO), a primeira unidade hospitalar robusta do gênero na cidade, que prestaria inestimáveis “serviços durante a construção da cidade”, como o próprio Ernesto Silva recordaria.
Visitado pouco antes de sua inauguração pelo presidente de Portugal, Craveiro Lopes, o hospital prestava assistência médica, cirúrgica e odontológica a particulares, servidores e operários que precisavam fazer o exame médico para a admissão ao serviço. “Nenhuma empresa podia dar emprego sem a apresentação da Carteira de Saúde”, registra Ernesto, também em suas memórias.
Convergência médica
Estrategicamente localizado no DF, o HJKO cuidava dos milhares de candangos que chegavam à cidade todos os dias para trabalhar nas obras da nova capital. Em 1968, com a inauguração do Hospital Distrital (atual Hospital de Base), o espaço viraria um posto de saúde. Em 1974, o antigo hospital de madeira parou de funcionar.
“O hospital HJKO foi feito realmente como um projeto interessante, na linha hospital de campanha, com 40 leitos, funcionando as quatro clínicas básicas: médica, cirúrgica, pediatria e gineco-obstetríca”, conta o pioneiro Edson Porto no depoimento ao ArPDF.
“Como Brasília era realmente um famoso terreno de obra, os acidentes de trabalho começavam a surgir diariamente e assustadoramente. Foi então que, quando inaugurado o hospital, foi providenciado imediatamente a instalação de um serviço de ortopedia para atendimento nesses casos”, relata.
Vale destacar o que todos os pioneiros da área de saúde gostam de frisar: o extraordinário serviço prestado pelo Hospital Volante das Pioneiras Sociais, entregue à população em 26 de outubro de 1957. “Sua atuação foi muito valiosa quando, em 7 de junho de 1958, a Novacap iniciou o assentamento em Taguatinga da enorme população que se havia instalado ao longo da estrada Brasília-Anápolis, junto ao Núcleo Bandeirante”, reconhece Ernesto Silva.
“Até que se inaugurasse o Hospital São Vicente de Paulo, em 1959, o Hospital Volante das Pioneiras resolvia todos os casos simples naquela cidade-satélite”, acrescenta.
O hospital-base
Inaugurado em 12 de setembro de 1960, quando se comemora o nascimento de JK, o Hospital de Base (na origem chamado de Hospital Distrital, vale lembrar) surgiu para ser, como o próprio nome entrega, a base de todo o “Plano Médico-Hospitalar” do DF, atendendo os habitantes do Plano Piloto. Dotado de equipamentos de ponta e todas as especialidades, fazia parte de um moderno e avançado modelo de instituição idealizado pelo médico Bandeira de Mello, um funcionário do Ministério da Saúde contratado pela Novacap àquela época.
O sistema de atendimento médico previa ainda a construção de outros onze hospitais gerais e seis instituições rurais espalhados pela cidade e suas satélites, hoje denominadas de regiões administrativas do Entorno.
“Era um sistema bem organizado e centralizado, com ramificações para todos os hospitais, mas que ficou prejudicado, de certa forma, pelo inchaço da cidade, dez anos depois de sua inauguração – o que aconteceu, com a determinação definitiva da vinda das embaixadas e de todos os ministérios nos anos 70”, lamenta o médico aposentado Claudio Luiz Viegas, autor do livro Fragmentos – Cinquenta anos de residência médica no Hospital de Base.
Referência na região central do país, com mais de 600 mil atendimentos anuais no pronto-socorro e no ambulatório, o Hospital de Base marcou e norteou toda uma geração de profissionais da saúde que vieram de várias partes do Brasil tentar a sorte no Cerrado. Foi o que aconteceu com o paulista de origem árabe Hélcio Luiz Miziara, o primeiro patologista de Brasília e um dos primeiros médicos legistas do DF.
“Assinei contrato com a FHDF [Fundação Hospitalar do Distrito Federal] em janeiro de 1961, depois de ser escolhido entre três candidatos de alto nível”, conta o pioneiro, que está prestes a completar 86 anos.
“O Hospital de Base contava com um staff de alta qualidade, onde trabalhavam profissionais de alta qualidade, com passagem pelos Estados Unidos e Europa. O Hospital de Base era onde todo mundo queria ficar”, recorda o médico, ele próprio aluno residente em Anatomia Patológica no Hospital Mercy, em Pittsburgh (Pennsylvania, EUA).
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Muito de sua experiência de mais de 40 anos como profissional de relevante unidade hospitalar do DF está relatado, agora, no livro Hospital que nós amamos – Hospital Distrital, que acaba de concluir. Ele pretende lançar a obra após o surto de pandemia que assola o DF e todo o país. São histórias de exemplo e passagens curiosas, como o período em que trabalhou na formação técnica de auxiliares de saúde do hospital – entre eles um jovem tímido que explodiria nacionalmente, anos depois, chamado Ney Matogrosso.
“Eu estava lá quando o presidente Tancredo Neves foi hospitalizado… São muitas histórias que narro como forma de agradecimento à cidade”, arremata.