08/04/2020 às 14:35

O futuro do modelo de negócio do cinema

Cine Brasília ouve mercado e academia sobre o fortalecimento das plataformas de streaming que abrem novas possibilidades para as produções locais. E apresenta sugestões de filmes nacionais que podem ser vistos gratuitamente na internet

Por Agência Brasília

Para onde vai o cinema? Essa pergunta, que foi intensa quando a TV se popularizou e, mais recente, com os adventos do VHS, CD e Internet (para ficar em alguns avanços tecnológicos), volta com força agora com o fechamento de salas de exibição e a multiplicação das plataformas digitais em razão do isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus (Covid-19).

Com essa indagação em perspectiva, o Cine Brasília, equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), ouviu gente de cinema – da academia e do mercado – para pensar o que o futuro reserva à mídia que é a um só tempo entretenimento e arte. Em razão dos depoimentos que apontam a centralidade do streaming como modelo de negócio, a Secec preparou uma lista de links com filmes brasileiros recentes para o público assistir gratuitamente, recomendando alguns títulos.

“É uma grande oportunidade para realizadores mostrarem os seus filmes ao mundo todo a partir das redes sociais, com baixo investimento”, acredita o roteirista e diretor Marcus Ligocki Júnior (“Uma loucura de mulher”, 2016). Ele aponta a forte tendência do modelo VoD (Video on Demand): “Isso já estava esboçado há cinco ou seis anos nas principais consultorias mundiais sobre o assunto, e a pandemia só veio acelerar o processo”.

Ligocki, um dos curadores do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB) em 2019, lembra que as janelas cada vez mais apertadas de exibições cinematográficas no mundo todo, que tornam difícil a permanência de filmes que não tenham massivo investimento em publicidade, obrigaram as gigantes de conteúdo audiovisual a procurar alternativas.

“É o futuro”, faz coro com Ligocki a colega de curadoria no FBCB de 2019, Anna Karina de Carvalho, hoje à frente do BIFF (Brasilia International Film Festival), que vai experimentar uma versão totalmente digital este ano em razão do coronavírus.

Conhecedora dos grandes festivais internacionais, ela lembra que a Netflix começou a balançar as estruturas do mercado tradicional com “Roma” (Alfonso Cuarón, 2018), que fez história como o primeiro filme da gigante do streaming a vencer o Festival de Veneza (2018) e levar a estatueta como então melhor filme estrangeiro no Oscar (2019).

“Claro que quem fez um filme de alto orçamento não quer ver sua obra sendo lançada nas plataformas digitais como primeira janela. É uma situação que coloca os realizadores em oposição ao mercado”, explica Anna Karina.

Pablo Gonçalo, professor da faculdade de comunicação da Universidade de Brasília, crítico de cinema e curador, coloca o coronavírus como mero coadjuvante de um movimento que já estava nos trilhos, a “cinefilia 2.0”. Trata-se de uma maneira de fruir a experiência cinematográfica que combina o que oferecem as plataformas online com o que conhecemos nas tradicionais salas de cinema, que surgiram nos anos 1910.

Ele relativiza o streaming como novidade, lembrando que esse modelo de negócio foi o que decretou o fim das videolocadoras há uma década. Aponta como grande avanço os festivais online – cita o BIFF como exemplo disso na capital federal –, e a possibilidade dada pela tecnologia hoje de se acompanhar “lives” no Instagram com personalidades como Jean-Luc Godard.

Pablo acredita que a discussão sobre a fronteira entre arte e indústria cultural ganha segundo plano, pois há séries na TV fechada de altíssimo apuro estético e qualidade de narrativa cinematográfica, e destaca que, ao contrário da lógica da Indústria Cultural, produções locais ganham espaço no streaming em razão das demandas descobertas pela “big data”, que sabe das preferências de audiências locais e investe em coprodução.

O docente acha que o momento é muito oportuno para que uma audiência em quarentena descubra nichos de mercado, inclusive acervos gratuitos. Nesse sentido, o gerente e programador do Cine Brasília, Rodrigo Torres, recomenda o “Porta Curtas” (portacurtas.org.br), uma plataforma com mais de 1.355 filmes para assistir na íntegra e gratuitamente.

Sala escura
A professora de cinema da Faculdade de Comunicação da UnB, Mariana Souto, aposta que, apesar de tudo, as salas de cinema vão sobreviver à pandemia. “Talvez a frequência diminua, mas ainda é importante para a maioria das pessoas a experiência coletiva, o sair de casa para ver um filme, o cinema como um evento, como um programa social, além da qualidade da exibição em termos de imagem e som, que dificilmente se consegue na TV em casa”.

Lembra que “no cinema, há uma experiência de imersão, a sala é escura, não há interrupções, as pessoas experimentam uma qualidade de imagem e som muito superiores. Em casa, o ambiente não é o mais adequado em termos de luz, não há isolamento sonoro, os ruídos da casa e da rua se misturam ao filme, há interrupções, o telefone toca”.

Ligocki concorda com ela, ainda que aponte para o crescimento da experiência de “watch parties”, em que pessoas combinam simultaneamente um determinado filme em suas casas, ficam logadas sincronicamente ao título escolhido, com a possibilidade de pausar, voltar cenas e fazer comentários numa sala de bate-papos, algo semelhante ao cochichar com a pessoa ao lado na sala escura. “Mas creio que vamos continuar a desfrutar da sala de cinema, que continuará a fazer parte da indústria”, aposta.

Daniel Queiroz, programador e distribuidor de cinema, que em 2018 criou a distribuidora “Embaúba Filmes”, entende que “o cinema tem se mostrado de grande importância para as pessoas que estão confinadas. Penso, contudo, que a experiência estética do cinema é insubstituível. No cinema, pode-se esquecer a vida lá fora. É um momento em que se desliga o celular e se vive apenas o filme, numa experiência coletiva”.

E complementa: “o cinema passará a ser, cada vez mais, um programa especial. Ao mesmo tempo, tenho a esperança de que a experiência de se ver um filme no cinema seja ainda mais valorizada, no momento em que pudermos voltar a ela sem receios”.

Dicas de plataformas
A equipe do Cine Brasília garimpou a internet em busca de plataformas que disponibilizam gratuitamente, nesse momento de pandemia, o acesso a filmes nacionais lançados nos últimos cinco anos. As recomendações podem ser conferidas na lista a seguir:

Inaudito
O documentário conta a história do guitarrista Lanny Gordin. A obra é marcada pela ousadia na experimentação da linguagem cinematográfica, especialmente no que diz respeito a fotografia e montagem. É um filme fundamental para os amantes da música que querem compreender o processo de “eletrização” de artistas como Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Jards Macalé, dentre outros.
https://embaubafilmes.com.br/locacao/
usar o código promocional “embauba”.

Mexeu com uma mexeu com todas
Documentário da diretora Sandra Werneck. O filme reúne depoimentos de mulheres que debatem a cultura do estupro na sociedade brasileira contemporânea. Dentre os depoimentos marcantes, está o de Maria da Penha, vítima que deu nome à famosa lei.
https://www.looke.com.br/History/Play?m=155621

Inferninho
A obra revela uma produção cearense contemporânea de alta qualidade. O filme trata de amor e paixão por meio de uma galeria de personagens “queer” convivendo em uma casa de espetáculos. O olhar delicado dos diretores transmite ao espectador um tom de empatia e respeito.
https://embaubafilmes.com.br/locacao/
usar o código promocional “embauba”.

O Caso do Homem Errado
Corajoso documentário da estreante Camila de Moraes. Filme de produção e distribuição independente reconstrói, por meio de depoimentos, um caso emblemático de violência contra a população negra ocorrido em 1987. O episódio foi largamente reportado pela imprensa de Porto Alegre na época e permanece ainda presente na memória da cidade.
https://www.looke.com.br/History/Play?m=154406

O Delírio é a Redenção dos Aflitos
O destaque para o curta-metragem vai para o primeiro filme do pernambucano Felipe Fernandes, que já marcou presença na semana da crítica do Festival de Cannes. A obra retrata o ambiente angustiante de uma família pobre na cidade de Recife, marcada pelos frequentes despejos de moradores em ocupações não regulamentadas.
http://portacurtas.org.br/filme/?name=o_delirio_e_a_redencao_dos_aflitos

Até a Vista
Vale a pena conferir também o conteúdo disponibilizado pela Casa de Cinema Porto Alegre (Cinepoa). Admirável a dedicação do diretor ao formato curto, pouquíssimo explorado por realizadores do calibre de Furtado.  O filme trabalha questões de metalinguagem, um dos temas favoritos do diretor.
Cinepoa – http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/casa-30-anos/fique-na-casa
Até a Vista – https://vimeo.com/243215363

Lista de plataformas de Streaming gratuitas:

Distribuidora Embaúba:
www.embaubafilmes.com.br
Para o acesso gratuito, basta acessar https://embaubafilmes.com.br/locacao/
e usar o código promocional “embauba”.

Spcine Play:
https://www.spcineplay.com.br

Casa de Cinema de Porto Alegre (Cinepoa)
http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/casa-30-anos/fique-na-casa

Video Camp:
https://www.videocamp.com/pt/playlists?kind=campaign

Petra Belas Artes:
https://www.belasartesalacarte.com.br/

Portal Curtas:
http://portacurtas.org.br/

*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa