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14/04/2020 às 14:36, atualizado em 14/04/2020 às 14:37
Presentes no acervo do Museu Vivo da Memória Candanga, frequentadores revivem lembranças da construção de Brasília
Não é por acaso que o Museu Vivo da Memória Candanga (MVMC) recebe este nome. O lugar que reúne as histórias dos primeiros habitantes de um espaço que se tornaria a nova capital do país continua nutrindo-se de “memórias vivas”. O equipamento cultural regido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) celebra seus 30 anos de vida revivendo trajetória dos sonhadores que ergueram Brasília, o povo candango.
Com acervo composto pelas edificações históricas, peças, objetos e fotos da época da construção de Brasília, distribuído pela exposição permanente “Poeira, Lona e Concreto”, o Museu Vivo narra a história da cidade, desde os sonhos, os projetos, a construção, até sua inauguração, em 1960.
Considerado um momento histórico para o país, o projeto da nova capital influenciou uma era de mudanças e de grandes expectativas para os brasileiros. Em 1956 começaram a chegar ao “Planalto Central” trabalhadores de diversos estados, movidos pela oportunidade de trabalho e pelo desejo de participar do processo de construção da tão idealizada Brasília.
Chamados de ‘candangos’, os operários foram se instalando em acampamentos improvisados que, com a evolução das obras, foram ganhando nomes. Nesse processo, surgiram a Cidade Livre (Núcleo Bandeirante) Lonalândia (Candangolândia) e a Vila do Iapi, alojamento onde foi construído o primeiro hospital da cidade, Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO).
De acordo com estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os trabalhadores vindos de outros estados somavam cerca de 30 mil pessoas em 1958. Embora a população predominante fosse de estados próximos como Goiás, Minas Gerais e Bahia, as raízes nordestinas eram consideradas as mais fortes entre os operários da época.
Carregando a missão de ligar passado e futuro por meio da conservação do que foi deixado pelas gerações antecessoras, o Museu Vivo é frequentemente visitado por personagens que conseguem contar ainda mais histórias e curiosidades de uma época tão emblemática para o país. Os pioneiros contribuem para o processo de construção patrimonial e histórica do complexo cultural destinado a valorizar a cultura dos operários que deixaram seus estados motivados por uma vida com mais oportunidades.
A história dos candangos e pioneiros é contada pela exposição permanente “Poeira, Lona e Concreto”, que também celebra três décadas em abril, e traz a linha do tempo da construção de Brasília, desde sua projeção até os dias atuais.
Composta de diferentes ambientações, a mostra inclui fotografias, textos, móveis e objetos do início de Brasília, que vão desde documentos importantes como os da “Missão Cruls”, projetos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer, até as acomodações dos pioneiros, com detalhes da vida de inúmeras famílias, fazendo com que a representação sociocultural se materialize para cada visitante.
De acordo com a gerente do Museu Vivo, Eliane Falcão, as histórias dos candangos contribuem para a temática de “Poeira, Lona e Concreto”, pois demonstram a sensação de sonho realizado ao se estabelecerem na Capital Federal. “O Museu Vivo é a casa dos pioneiros. Diariamente recebemos visitas de ex-moradores dos alojamentos, da Cidade Livre, que trazem fotos e curiosidades muito particulares do momento que Brasília nasceu. Todas as memórias são acolhidas com muito carinho, dos agentes que contribuíram para o surgimento da capital”, celebra.
Pioneiros, poeira, lona e concreto
Sempre dispostos a contribuir com relatos emocionantes para a história de Brasília, os pioneiros nunca deixaram de visitar o Museu. Enxergando-se em cada relíquia da exposição, estes personagens contribuem para o enriquecimento e detalhamento da trajetória de vida levada pelos candangos.
Do município de Caxias do Maranhão desembarcou na construção da nova capital, em meados de 1958, o casal Walter e Maria Raimunda Nascimento. Com a esperança de constituir família e garantir um futuro melhor na nova cidade, os recém-casados puderam abrigar-se na “Vila Iapi”, alojamento instalado nas dependências do Hospital Juscelino Kubitscheck de Oliveira (HJKO).
Pouco tempo depois, Walter, que hoje tem 82 anos, conseguiu um emprego de enfermeiro no centro de saúde, que também foi o local onde nasceram seus dois primeiros filhos, Carlos Frank e Cione Márcia.
Para Maria Raimunda (78), a aventura de sair da cidade natal com o marido, em busca de melhores condições, foi a melhor escolha que puderam fazer. “Lá no Maranhão não tínhamos nada, só a vontade de construir uma história melhor. Conseguimos moradia, trabalho, tivemos nossos filhos nessa cidade e nunca mais fomos embora. Nossa família nasceu e cresceu junto com Brasília, e por isso somos gratos”, explica a residente de Ceilândia.
Já o jornalista aposentado Danúbio Martins de Oliveira, 73 anos, tinha apenas nove quando chegou ao Planalto Central. No dia 03 de maio de 1957, acompanhado dos pais, Benedito Martins e Amélia Araújo, o menino veio de Anápolis-GO para assistir à primeira missa celebrada na futura cidade, onde se construiria o Memorial JK.
Após a missa, os pais de Danúbio resolveram mudar-se definitivamente para a nova capital. A viagem de caminhão com duração de 3 dias trouxe uma família deslumbrada com o sonho do presidente Juscelino Kubistchek, entusiasmada com uma cidade completamente nova, moderna, fraterna e cheia de novas oportunidades.
Os novos moradores logo se estabeleceram na Cidade Livre, onde abriram o “Armazém Oeste”, loja de materiais de construção. “Além de trabalhar com meus pais no comércio, fui um dos primeiros escoteiros de Brasília. Assim, tive a oportunidade de acompanhar o presidente JK, de Goiânia a Brasília em 1961, quando ele foi eleito senador pelo estado de Goiás”, relata o pioneiro.
Morador do Núcleo Bandeirante, o aposentado acredita que a exposição “Poeira, Lona e Concreto” revela a história de uma capital que da poeira surgiu, a partir da idealização de projetos de vida que se tornaram realidade. “Considero Brasília uma cidade maravilhosa, onde aprendi a viver, vi meus pais realizando o sonho deles e construí meu grande patrimônio, minha família.
Brasília foi cenário de meus 10 casamentos, dos quais tive seis filhos e 10 netos”, celebra. Já o aposentado Alpheu Thomáz Leite, 86 anos, veio de Anápolis com um grupo de empresários para conhecer o local da futura capital do Brasil. O caminho, que passava pelos municípios goianos de Silvânia, Vianópolis e Santa Luzia (Luziânia), despertou a curiosidade dos jovens em relação ao Planalto.
Na viagem, Alpheu e seu grupo percorriam de carro uma pista larga, no meio do cerrado, sem destino, até que avistaram a placa “Vera Cruz”, que era o nome sugerido pela igreja católica para a nova capital. “Tirei um retrato desta placa, para registrar que apesar de a igreja querer este nome, Brasília já tinha sido escolhida há muitos anos”, conta.
O jovem retornou à futura capital em 1958, onde foi admitido pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) e se fixou na Cidade Livre. O pioneiro relembra com emoção o primeiro prédio concluído em Brasília, localizado na quadra modelo, a 108 da Asa Sul. Para Alpheu, estas lembranças devem manter-se vivas não só na mente de pioneiros como ele, mas na de todos os brasilienses. Ele credita ao Museu Vivo a importância de narrar a história de quem fez da Capital Federal uma cidade da “Nova Era”. “Para mim, a história da construção de Brasília significa uma chama acesa que não se pode apagar”, conclui.
* Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec)