19/04/2020 às 12:32, atualizado em 19/04/2020 às 12:35

Adirson Vasconcelos: o encantamento da solidão nos primórdios de Brasília

Repórter-pioneiro descreve seu olhar de deslumbramento sobre a alvorada da “capital da esperança ”, antes mesmo de sua construção

Por Agência Brasília

[Numeralha titulo_grande=”2″ texto=”dias para os 60 anos de Brasília” esquerda_direita_centro=”centro”]

Em homenagem à capital federal, formada por gente de todos os cantos, a Agência Brasília está publicando, diariamente, até 21 de abril, depoimentos de pessoas que declaram seu amor à cidade.

Adirson, ao conhecer o terreno onde seria erguida a capital federal: “Tudo o que se olhava, em qualquer posição, era horizonte” | Foto: arquivo pessoal

“A minha relação de simpatia, admiração e crença em Brasília se desenvolveu a partir do primeiro momento que eu a vi. Em maio de 1957, houve na região onde seria construída a nova capital do Brasil um ato a que se chamou de Pedra Fundamental da Nova Capital. Naquele tempo, na década de 1950, eu era repórter no Recife do jornal Correio do Povo. Escalado pela direção, fui designado para fazer a cobertura do fato que aconteceria no Planalto Central de Goiás, a 20 quilômetros de Goiânia.

Depois de um dia inteiro de viagem de Goiânia até aqui, hospedei-me em um hotel de madeira recém-construído no Acampamento Núcleo Provisório, na Cidade Livre – hoje, o Núcleo Bandeirante. Dormi e, pela manhã, horas antes do lançamento da pedra fundamental, saí para conhecer o terreno onde seria Brasília.

A terra era muito vermelha, diferentemente do que me acostumara a ver no Nordeste. Em meio à vegetação rasteira e às árvores retorcidas, elevei o olhar para o céu e contemplei uma abóboda celeste muito azul com lindas nuvens brancas. Uma beleza inusitada, com um horizonte ao longe. Tudo o que se olhava, em qualquer posição, era horizonte. De repente, dou-me de frente com o oriente e contemplo estarrecido um sol vibrante, parecendo uma bola de fogo de tão forte e intenso. Eis a alvorada de Brasília.

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Aquela irradiação solar aqueceu-me o corpo e me invadiu a alma de forma inusitada. Um momento transcendente, nunca vivido até aqueles meus 20 anos de vida. Encantei-me naquela solidão, com a visão quase celestial que me marca até hoje, em 2020, quando celebraremos os 60 anos de Brasília.

A par daquele impacto fisiológico que senti ao contemplar o nascer do sol em Brasília, vivi um momento de transcendência, de transformação mental e de espitualização marcantes. Durante a missa onde hoje é a Praça do Cruzeiro, o cardeal dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota anunciou no sermão que aquele momento era um dos três marcos da história do Brasil – junto com o Descobrimento, em 1500, e a Independência, em 1822. Aquele momento solitário me impactou a alma e tive divergências. Mas, com o passar dos dias, e até a inauguração da cidade, em 1960, era igualmente marcante como o alvorecer. Guardarei aqueles momentos para a vida toda.

Da epopeia da construção até os dias atuais, pude acompanhar ao longo de 63 anos o sonho que nasceu com Tiradentes, Apolônio da Costa e tantos outros brasileiros, e projetada como a obra do século 20. Ali nascia a capital da esperança. Em 1986, quando a cidade já estava quase consolidada, Juscelino Kubitschek, dois meses antes do seu falecimento, profetizou-me após uma longa conversa: Brasília será a capital deste milênio, pelo significado que sua missão civilizadora representa como polo irradiador de desenvolvimento.

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Vivo, desde aquela alvorada de 1957, esse grande espírito de Brasília. E estou integrado a ele. Por isso fiz um poema chamando Brasília de minha terra, meu céu e meu mar, além de templo da união nacional, construtora de um novo tempo.

Hoje vivo plenamente os mesmos sentimentos daquele primeiro momento. Momento de jovialidade, de fé, de crença e de esperança, agora muito mais fortalecido na grande missão civilizadora.

Além de trabalhar como jornalista e acompanhar toda a história, tive aqui sete filhos e 11 netos, e 60 livros. A minha mais nova cria é a Enciclopédia da História de Brasília, em todos os seus tempos, divididos por décadas. Assim, ofereço um registro de memórias de quem viveu e ainda vive os dias da capital que amo.”

Adirson Vasconcelos, 83 anos, cearense, chegou a Brasília em 1957. Encantado com a energia do lugar onde nasceria a nova capital, voltou ao Nordeste, fez todas as malas e do Distrito Federal não saiu mais.