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22/04/2020 às 10:24
Eles relatam dificuldades com a terra, o clima e até hábitos de consumo dos primeiros moradores. Mas não se arrependem de terem vindo
Vindo de Atibaia, município de São Paulo, o produtor Fábio Harada, 59 anos, está em Brasília desde 1974. Em 1977, passou a viver com a família em definitivo na região de Brazlândia. Quando chegaram, foram logo plantando o que antes cultivavam em Atibaia: couve-flor, beterraba, acelga, bardana, berinjela. No entanto, na hora de comercializar, descobriram que em Brasília muitos desconheciam parte do que plantavam.
“Quando mudamos de São Paulo para cá, a gente não se atentou a esse fato. Aqui o que mais se consumia era chuchu, mandioca. Até morango a gente só vendia no Plano Piloto. Morango era consumido somente pela classe A. As pessoas não conheciam e por isso não consumiam o que a gente produzia. Era muita falta de informação.”
De acordo com ele, Brazlândia naquela época carecia de infraestrutura básica. Faltavam energia, água, escola e rodovias. “Na época, a gente só ouvia rádio AM”, afirmou. “Hoje, [para fazer] qualquer mudança de cultivo, a gente pesquisa antes. Naquela época só não quebramos porque já éramos quebrados”, ri. “Hoje, se a gente fizer isso a gente não levanta mais não.”
Segundo Harada, seus pais vieram para a Brasília pensando apenas no clima e na altitude, que favorecem alguns cultivos. Na época, imaginavam que era só adubar como faziam em São Paulo. “Aqui era tudo diferente, tanto a região como o clima, os hábitos alimentares. Apanhamos muito. Uma coisa fez muita diferença, a assistência técnica que recebemos aqui, que foi muito maior do que a gente recebia lá”, conta.
“No início, tinha pouca informação sobre o Cerrado. Achávamos que ele não prestava. Para desbravar, perdemos algumas safras”, conta. No começo, o cultivo era de hortaliças e morango, mas hoje a família se dedica exclusivamente ao plantio de goiaba e ao processamento em sua agroindústria de polpas. “A goiaba é uma fruta perene”, justifica.
Para ele, o trabalho da Emater-DF, que foi também se aperfeiçoando – a empresa completou 42 anos em abril –, foi fundamental no processo. “Com a Emater, começamos a ter mais informações científicas, como de correção de solo, uso de matéria orgânica. A gente tem assistência desde o primeiro ano que foi criada a Emater”, ressalta Harada.
Do Sul para a capital
Produtor no núcleo rural Córrego do Atoleiro, em Planaltina, Avaldir Denker, 69 anos, veio de Três de Maio, município do Rio Grande do Sul, em julho de 1984. A expectativa era expandir os negócios, ter mais terras para plantar e, consequentemente, melhorar de vida. Ele garante que tinha um pouco do desejo de se “aventurar”. Logo que chegou, conseguiu a terra e começou a plantar arroz de sequeiro, que é o cultivo do grão mais resistente a solos ácidos, além de soja e feijão.
Para ele, a única pendência é a regularização da terra, o que permitirá fazer financiamentos para investir em maquinários para a propriedade. “Naquele tempo ainda financiava um pouco mais sem documento e foi o que me permitiu crescer um pouco, mas agora já não financia”, lamenta.
“Mas sinto que valeu a pena demais a vinda para Brasília. Se eu tivesse lá, talvez eu não tinha o que tenho e nem os meus filhos. Eu não posso me queixar. Agradeço muito o povo aqui de Brasília, sempre fui muito bem recebido. Sempre recebi apoio de órgãos como a Emater, onde todo mundo me conhece”, comemora.
Orgulhoso, ele conta que tem três filhos e que todos seguiram no ramo da agricultura. O mais novo, Marcelo Denker, 30 anos, é engenheiro agrônomo e em 15 estufas utiliza 3 hectares da terra do pai no cultivo de hortaliças pelo sistema hidropônico. Os outros dois filhos estão na lavoura e apostam no cultivo de grãos em 500 hectares de terra arrendadas na região de Planaltina.
“Nasci aqui em Brasília e não sei das condições que eram antes. Meus irmãos já cultivam grãos há anos e têm uma estrutura boa. Eu acredito que muito se deve a essa região e essa decisão do meu pai de vir para Brasília”, diz Marcelo Denke.
Avaldir Denker, apesar de deixar toda a produção sob o comando dos filhos, hoje cultiva soja e milho safrinha. A comercialização é feita por uma cooperativa do Rio Preto e outra parte entregue em armazéns de Formosa (GO). “A convivência em Brasília é muito boa. Tudo que você tem para vender, tem comércio que compra. Tem comércio para tudo. Se quiser vender uma dúzia de ovos, você sai na rua em Planaltina e vende. Disso as pessoas não podem se queixar”, aponta.
Produção nipônica
No Brasil desde os 5 anos de idade, o japonês Yukio Yamagata, que hoje está com 66 anos, conta ter vindo à capital por volta de 1970, junto com o pai. Na época, por meio do Incra, a família conseguiu um terreno em Brazlândia, onde ele vive até hoje.
a década de 1960, produtores de origem nipônica foram convidadas pelo então presidente Juscelino Kubistchek para tornar Brasília autossustentável e formar o cinturão agrícola ao redor da capital. Já fazia parte dos planos do presidente desenvolver a agricultura na região.
“No começo era difícil até para ir à escola. Caminhava 8 km de estrada de chão. A gente acordava às 5 horas da manhã e meu pai me levava até a metade do caminho, até o dia clarear. Hoje, em algumas áreas, têm muita facilidade, o ônibus passa até na porta. Mas foi bom, com sacrifícios a gente conseguiu muita coisa”, conta Yamagata.
Com quatro filhos, atualmente ele cultiva abacate, goiaba e limão. No entanto, até 2000 a produção no local era de hortaliças. O produtor conta ter cultivado até morango, mas abandonou a cultura devido ao trabalho e atenção demandada pela fruta. Um dos filhos já tem sua própria terra e também virou produtor. Para ele, o cultivo das frutas tem dado certo, assim como sua vinda para a capital.
Em 2019, a produção de abacate, de acordo com o Valor Bruto da Produção aferido pela Emater, fechou em pouco mais de R$ 18 milhões, goiaba em R$ 25 milhões e limão em R$ 8 milhões. O VBP é um indicador conjuntural que demonstra o desempenho das safras agrícola e pecuária e retrata a produção agropecuária no ano e estima o faturamento bruto dentro das atividades produtivas, na propriedade.
Zona rural: 70% do DF
Com 578 mil hectares, o Distrito Federal tem uma área rural que representa 70% do seu território, 404 mil hectares. Desse total de área rural, 347 mil são próprios para a agricultura e pecuária.
No último ano, em 2019, o Valor Bruto de Produção (VBP) da capital fechou em R$ 2,907 bilhões. Os números mostram que a aposta do então presidente Juscelino Kubitschek, na construção de Brasília, deu certo. Na época, pouco antes de 1960, eke incentivou a vinda de famílias de japoneses para produzir em Brasília, terra de cerrado difícil de cultivar.
Hoje o cenário é outro e a capital do país mostra que tem vocação agrícola. As maiores produções estão em Planaltina, no Paranoá e em Brazlândia. Atualmente, quase todas as regiões administrativas são produtoras de alimentos e a agricultura do DF se destaca em diversos aspectos, inclusive no manejo sustentável. De acordo com dados do VBP de 2019, a produção orgânica no DF vem crescendo e já ocupa uma área de 466.629 hectares.
Diante desse cenário, a presidente da Emater-DF, Denise Fonseca, acredita que o Distrito Federal ainda possui muito espaço a ser ocupado com produtos que vão alavancar cada vez mais os dados da agropecuária do DF. Com a ajuda de parceiros e das políticas públicas do governo, a Emater-DF presta assistência técnica e extensão rural a mais de 11 mil produtores do DF.
De acordo com dados da Ceasa-DF, em março deste ano, das 30 mil toneladas de alimentos comercializados no local, 22% (6,7 mil toneladas), foram produzidas no Distrito Federal, grande parte por pequenos produtores da região. O saldo é puxado por frutas nacionais e hortaliças folhosas e raízes.
* Com informações da Emater-DF