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15/11/2020 às 18:09, atualizado em 15/11/2020 às 18:48
Cineastas Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Laís Bodanzky, André Luiz Oliveira e Cláudio Assis falam das mudanças em suas vidas a partir da conquista
Sertão de Alagoas, meados de 1995. Sob o sol escaldante da caatinga, um jovem cineasta e sua equipe contemplam, no distante céu azul fortemente anil, próximo à região de Piranhas, o voo solitário de um avião. Era o intervalo das filmagens da clássica história entre mocinho e bandido, travada em pleno coração agreste. Mal sabiam eles que, em pouco menos de um ano, todos embarcariam naquele “big jato” rumo ao Planalto Central.
Tal qual o bando de cangaceiros bandoleiros retratados na trama, tomariam de assalto a 29ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, com o filme Baile Perfumado, um marco da retomada do cinema no Brasil. Esse ano de 1996, considerado histórico pela qualidade e programação, teve a gestão de Silvio Tendler, na época, secretário de Cultura e Esportes. Hoje, o premiado cineasta é o curador do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que será realizado entre 15 a 20 de dezembro, no Canal Brasil e no streaming Brasil Play.
[Olho texto=”“Ah, ganhar em Brasília, com meu longa-metragem de estreia, foi sensacional, inacreditável, lavou a alma, fiquei muito feliz”” assinatura=”Cláudio Assis, cineasta pernambucano” esquerda_direita_centro=”direita”]
“Virou uma mania nossa ficar vendo, no céu, os riscos desse avião, ali, na beira do Rio São Francisco”, lembra hoje, com alegria, Lírio Ferreira, codiretor do projeto, junto com o amigo Paulo Caldas. “Fomos selecionados para o Festival de Brasília e, no voo, olhando da janela lá embaixo a represa de Xingó e o Rio São Francisco, tive o insight. Aquele avião que a gente via cruzar o céu da caatinga, durante as filmagens, era o mesmo que nos levava para Brasília. “Bateu uma energia boa, sentíamos que alguma coisa aconteceria no Festival de Brasília”, contou.
Lampião e Abraão
E aconteceu. Com narrativa permeada pelo encontro real entre o bando de Lampião e o mascate libanês Benjamim Abraão – responsável pelos únicos registros audiovisuais dos cangaceiros, no sertão nordestino nos anos de 1920 -, o projeto se consagraria, em 1996, como o melhor filme da respeitada mostra.
“Terminamos de filmar muito perto do Festival, a lata chegou quente em Brasília. E foi incrível porque não imaginávamos que teria a repercussão que teve, foi muito significativo em vários sentidos”, volta no tempo Lírio, mencionando o fato de que Baile Perfumado quebraria um hiato de 20 anos sem a realização de um longa-metragem em Pernambuco. “A premiação do filme em Brasília foi uma surpresa imensa, tínhamos acabado de fazer a primeira cópia e ele nunca tinha sido exibido para o público”, conta Paulo Caldas.
[Olho texto=”“No Festival de Brasília, nasceu o moderno cinema pernambucano.”” assinatura=”Paulo Caldas, codiretor de Baile Perfumado, vencedor do festival em 1996″ esquerda_direita_centro=”esquerda”]
É verdade. Prova disso, foi o sucesso arrebatador do colega conterrâneo Cláudio Assis, três vezes campeão com o Candango de melhor filme na competição. O primeiro troféu conquistado seria em 2002, com o impactante Amarelo Manga. “Ah, ganhar em Brasília, com meu longa-metragem de estreia, foi sensacional, inacreditável, lavou a alma, fiquei muito feliz”, recorda o cineasta pernambucano, quase 20 anos depois daquela 35ª mostra.
O cineasta está presente no evento desde 1987, quando exibiu o curta-metragem Henrique?, sinalizando rumo à retomada do cinema nacional. Com seu estilo visceral e sincero, Cláudio Assis levaria ainda os prêmios de Melhor Filme em 2006, com Baixio das Bestas e em 2015, com Big Jato. Para o diretor, participar do festival que o consagrou é sempre uma honra e um prazer. “É uma coisa corriqueira na minha vida, é um festival que sempre prezo para participar, faço questão de defender meus filmes de defender o próprio festival”, diz o realizador, que trabalha no momento em Gigante Pela Própria Natureza, filmado só com anões.
Certidão de batismo
Filha do cineasta Jorge Bodanzky, Laís revisita suas memórias de pré-adolescente para falar do festival de cinema mais importante do país. Com apenas 11 anos em 1980, viu, junto com o pai, a sessão triunfante de Iracema – Uma Transa Amazônica, desde seu lançamento, em 1975, censurado pela ditadura vigente. “Teve a anistia e o Festival de Brasília exibiu o filme. Foi uma participação importante, que povoou meu imaginário, com certeza, sobre a relevância do evento”, rebobina no tempo Laís Bodanzky. “Voltar lá depois com Bicho de Sete Cabeças era, assim, uma grande conquista”, acrescenta a cineasta, que sentiu, na pele, as boas e imprevisíveis vibrações da mostra em 2000.
Seria sua estreia no Festival de Brasília, como realizadora de longa-metragem de ficção, marcando o retorno ao evento seis anos após sua primeira participação, em 1994, com o curta-metragem Cartão Vermelho. Na densa trama baseada no livro Canto dos Malditos, as dramáticas situações de abuso nos hospitais psiquiátricos são entremeadas pela questão das drogas e conflitos de gerações.
Um enredo de tirar o fôlego, protagonizado pelo então jovem ator Rodrigo Santoro, que incomodou, de forma furiosa, o contestador público do festival no Cine Brasília. Experiência que, para o bem ou para o mal, marcaria Laís Bodanzky, para sempre.
[Olho texto=”“Eu já conhecia o festival, sempre acompanhei, meu sonho era ter o filme lá. E aconteceu.”” assinatura=”Laís Bodanzky, diretora de Bicho de Sete Cabeças, filme vencedor do festival, em 2000″ esquerda_direita_centro=”esquerda”]
Laís recorda que a plateia, sempre politizada e participativa, começou a vaiar Rodrigo Santoro quando o convidou para falar. “Era uma vaia direcionada ao ‘ator galã da Globo’, e percebemos que não tínhamos espaço para falar, então descemos do palco, e as vaias continuaram nos primeiros cinco minutos de projeção. Mas, aos poucos, as pessoas foram se calando e assistiram ao filme inteiro em silêncio”, relembra a diretora.
A consagradora redenção viria no final da exibição de Bicho de Sete Cabeças. E bem ao estilo do Festival de Brasília, ou seja, de forma surpreendente e emocionante. “A plateia ovacionou o filme num nível tão grande quanto a vaia. Na hora de ir embora, algumas pessoas pediram desculpas para a equipe, para o Rodrigo. A certidão de nascimento do Bicho de Sete Cabeças foi no Festival de Brasília e, como todo parto, cheio de dor, mas, também, com muito amor e felicidade”, compara Laís, que saiu da 33ª edição do Festival com os prêmios de melhor Filme, Direção, Fotografia, ator coadjuvante (Gero Camilo) e ator (Rodrigo Santoro). “Foi um marco, de fato, na carreira do filme e, óbvio, na minha carreira”, admite.
Marcado para sempre
Experiência marcante também seria para o diretor baiano André Luiz Oliveira, que começou sua história com o Festival de Brasília aos 21 anos, em 1969, quando sairia sagrado com três prêmios especiais com o polêmico Meteorango Kid – Herói Intergaláctico, entre eles o da Opinião Pública.
O curioso é que o filme foi inscrito na mostra à revelia do jovem cineasta. “Eu não escolhi, nem o inscrevi no Festival de Brasília. Quando dei por mim, o filme já estava sendo exibido no festival e eu presente. Acho que foi alguém que viu numa sessão histórica no MAM do Rio, semanas antes, e o indicou”, revela.
“A censura na sessão foi absolutamente bizarra e ridícula! Mas a plateia estava se divertindo e vaiando os censores, o filme foi exibido até o final e foi ovacionado”, rememora. Passados mais de cinco décadas da avassaladora estreia em 1969, André Luiz Oliveira, hoje com 72 anos e integrante da Comissão de Seleção do 53º FBCB, avalia o impacto que o Festival de Brasília teve em sua trajetória. “O fato é que eu não estava, minimamente, preparado emocional, intelectual e psiquicamente para receber tamanha carga sobre mim. Só me recuperei, inteiramente, quando fiz Louco Por cinema, uma catarse cinematográfica desse impacto causado pelo Meteoro!”, destaca.