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11/04/2022 às 18:22, atualizado em 12/04/2022 às 16:14
Primeira homenagem à nova capital do Brasil foi feita por Vinicius de Moraes e Tom Jobim, em 1960, durante passagem dos artistas pela cidade
[Olho texto=”“JK sempre esteve sintonizado com a música. Além de bom dançarino, cercava-se de músicos e tinha aulas de violão” ” assinatura=” Fátima Bueno, autora do livro Do Peixe Vivo à Geração Coca-Cola – Música em Brasília (1960-1980″ esquerda_direita_centro=”direita”]
Brasília, cidade síntese do modernismo, capital da nação e da esperança. Enfim, eterna musa de poetas, trovadores, bardos da imagem e cantores que imortalizaram seus mistérios e curvas sinuosas de esquinas imaginárias em sucessos que moram no inconsciente de milhares de pessoas. São muitas canções, para todos os gostos. Diga-se de passagem, uma sina que remonta aos primórdios do lugar, com mais de seis décadas de história, quando um pacto foi selado no quintal da primeira construção oficial aqui erguida, o Catetinho, também conhecido como Palácio de Tábuas.
Ali, poucos meses após a inauguração de Brasília, em setembro de 1960, Tom Jobim e Vinicius de Moraes passaram temporada de dez dias para escrever aquele que talvez seja um dos primeiros registros musicais oficiais sobre a capital. Ideia visionária, claro, do presidente Juscelino Kubitschek, ao saber, por meio do arquiteto Oscar Niemeyer e do músico Bené Nunes, sobre a ideia da dupla em registrar a epopeia da construção da cidade em versos e melodia. Nascia, assim, Brasília, Sinfonia da Alvorada. Seria a projeção de um olhar lírico sobre a Brasília ancestral e a Brasília moderna.
“JK sempre esteve sintonizado com a música. Além de bom dançarino, cercava-se de músicos e tinha aulas de violão”, conta a pesquisadora Fátima Bueno, autora do livro Do Peixe Vivo à Geração Coca-Cola – Música em Brasília (1960-1980), importante documento sobre a história da música no DF. “Bené Nunes assessorou o presidente nas questões musicais. Regeu, inclusive, a orquestra do baile do dia 21 de abril, no Palácio do Planalto, e teria formulado o convite a Tom e Vinicius para escrever a Sinfonia da Alvorada.”
Autor do livro Da Poeira à Eletricidade, outro atestado sobre a história da música no DF, o jornalista, escritor e pesquisador Severino Francisco também destaca que a afinidade de ideias, identificação e amizade entres todos os personagens envolvidos – Tom, Vinicius, Niemeyer e JK – contribuiu para que essa aventura musical no cerrado ganhasse asas.
[Olho texto=”“Eles (Tom e Vinicius) beberam da água de Brasília e se revelaram para o Brasil moderno, criando um dos melhores trabalhos da dupla (Água de Beber), que nem estava no projeto” ” assinatura=” – Severino Francisco, autor do livro Da Poeira à Eletricidade ” esquerda_direita_centro=”esquerda”]
“JK adorou a ideia e os trouxe para cá. Eles ficaram fascinados porque tinham essa sintonia com Brasília, a sensibilidade para o Brasil, para a brasilidade que representava essa cidade que surgia no coração do país”, observa Severino Francisco. “Não colocaria a Sinfonia de Brasília entre as melhores obras da dupla, grandes artistas do modernismo, mas a vinda deles foi importantíssima porque eles interagiram intensamente com o ambiente, com a utopia de Brasília. Tanto é que deixaram dois textos maravilhosos, entre os melhores sobre Brasília”, diz ele, referindo-se às impressões que cada um escreveu na contracapa do disco.
É verdade. Compartilhando do senso comum nacional de que Brasília estava sendo construída no meio da selva, algo como uma aventura amazônica no coração do Brasil, Tom Jobim escreveria: “O Planalto é o lugar mais antigo da terra”. O poeta Vinicius de Moraes não deixaria barato no seu vislumbre do lugar ao dizer ter sentido em Brasília uma “proximidade com o infinito”.
O projeto seria finalizado no Rio de Janeiro. Dividida em cinco momentos – O Planalto Deserto, O Homem, A Chegada dos Candangos, O Trabalho e a Construção e Coral – e com quase 35 minutos de duração, a ode erudita à “construção da cidade e da bravura dos que ergueram”, de Vinícius e Tom, seria apresentada no primeiro aniversário da capital, em 1961. O que nunca aconteceu. O público conheceria o trabalho da dupla, de fato, em 1966, durante audição na TV Excelsior, de São Paulo; em Brasília, só 20 anos depois, em 1986, executada na Praça dos Três Poderes, sob a regência do maestro Alceu Bocchino e com Radamés Gnatalli ao piano. Tom Jobim e a filha de Vinicius, Suzane Moraes, declamariam poemas.
Contudo, impregnados pela beleza selvagem do local, com hordas de jaós, perdizes e outras aves tantas bailando ao redor, pés descalços em contato com o cerrado, a dupla bebeu, literalmente, na fonte, criando um dos maiores clássicos da bossa nova, Água de beber. A ideia nasceu de uma curiosidade de Tom, quando perguntou se um olho d’água nas proximidades do Catetinho era potável. “É água de beber, sim, senhor!”, teria dito um trabalhador.
“Eles beberam da água de Brasília e se revelaram para o Brasil moderno, criando um dos melhores trabalhos da dupla, que nem estava no projeto”, sintetiza Severino Francisco. “Em ritmo de bossa nova, a canção ganhou asas e vozes famosas, tornando-se sucesso internacional”, atesta a pesquisadora Fátima Bueno.
Hino de uma geração
Brasília é cantada em diferentes ritmos: reggae (Te Amo Brasília, Alceu Valença), baladas (Brasília, Guilherme Arantes), viagens experimentais (Céu de Brasília, Toninho Horta e Orquestra Fantasma), sertanejo (Pagode em Brasília, Tião Carreiro e Pardinho), blues (Brasília, Sérgio Sampaio), progressivo (Faroeste Caboclo, Legião Urbana), românticas (Coisas de Brasília, Oswaldo Montenegro), rap (Brasília Periferia, GOC), protesto (Brasília, Plebe Rude), instrumentais (Suíte Brasília, Renato Vasconcelos) e até coco (Rojão de Brasília, Jackson do Pandeiro).
Muitas são as músicas escritas para exaltar a cidade “criada” por JK, amada e admirada por muitos. Para o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, Brasília assombra e inspira.
“Brasília é a cidade do imaginário de qualquer artista”, pondera. “Se já é um arrebatamento ver o céu da cidade contrastando com a terra vermelha aqui embaixo, à noite você tem a impressão que a arquitetura flutua num palco escuro.”
Umas são mais famosas, outras de projeção modesta, mas todas com um significado especial para cada pessoa e histórias que captaram um estado de espírito, uma sensação indelével, impressões do cotidiano, experiências de vida. Dois exemplos são sintomáticos. É o caso de Travessia do Eixão, versos de Nicolas Behr musicados por Nonato Veras – integrante do mítico grupo mambembe Liga Tripa -, criada no fim dos anos 1970 e imortalizada pela Legião Urbana no disco póstumo Uma Outra Estação (1997).
A ideia para o poema de 1979 nasceu das vivências urbanas de Behr pela capital, quando flanava pelas asas não do Plano Piloto, mas do amor, entre a 415 Sul e 109 Sul, rumo à casa da namorada Noélia. Bastante tocada na cidade, era uma das prediletas de Renato Russo e, para muitos, o hino de uma geração.
“Ele fazia passagens de som dos shows na época do trovador solitário com essa música; era o tema da rapaziada, da galera, dos botecos e que canta Brasília, fala de uma travessia erótica e menos tensa pelo Eixão, que é a espinha dorsal da cidade”, diz a musa inspiradora de Nicolas Behr, Noélia Ribeiro, também poeta. “Hoje tenho noção de que essa música marcou época, foi um marco em nossas vidas e na história cultural da cidade.”
Responsável por musicar o poema do vate mato-grossense que, desde 1974, vive na capital, o integrante do icônico grupo musical mambembe Liga Tripa Nonato Veras jamais imaginou que a melodia que criou fosse grudar no inconsciente coletivo de uma geração.
“Nunca pensei na projeção da música, fiz por curtir, agora todo mundo se encanta com a cidade”, diz. “Muita gente credita a música ao Renato Russo, me sinto muito honrado”, comenta Nicolas Behr.