31/08/2023 às 08:32, atualizado em 31/08/2023 às 16:52

#TBT: W3 Sul, o coração comercial de Brasília

Obras de renovação da avenida resgatam a memória de um dos principais pontos onde os comerciantes se instalaram quando chegaram à capital

Por Jak Spies, da Agência Brasília | Edição: Chico Neto

A W3 Sul é uma das vias mais movimentadas de Brasília. Tombada no conjunto urbanístico, durante muitos anos foi considerada uma espécie de shopping a céu aberto, com diversos comércios representando boas opções para o público desde a fundação da capital.

Local de muitas boas histórias e algumas tragédias que marcaram o imaginário popular, a W3 Sul já foi palco dos desfiles das escolas de samba e carrega uma tradição de mais de 60 anos, reunindo uma variedade de lojas, restaurantes, mercados e espaços culturais.

A Agência Brasília conta a história dessa avenida histórica na série #TBTDoDF – pacote de matérias que aproveita a sigla em inglês de Throwback thursday para mostrar episódios e lugares que marcaram a capital brasileira.

Centro urbano

Década de 1960: avenida era a principal atração do Plano Piloto | Foto: Arquivo Público do DF/12.3.1964

[Olho texto=”“O comércio, que seria virado para a W2 no projeto original, acabou virado para a W3 porque ali se tornou o calçadão de Brasília, o centro vivo da cidade”” assinatura=”Felipe Ramón Moura Rodrigues, subsecretário de Patrimônio Cultural ” esquerda_direita_centro=”direita”]

A W3 Sul foi construída com um propósito modificado pelo próprio urbanista Lucio Costa, pioneiro da arquitetura modernista no Brasil e reconhecido mundialmente pelo projeto do Plano Piloto de Brasília.

Já em 1958, o arquiteto percebeu que os lotes, antes à disposição para hortas urbanas e produção alimentícia, não seriam adequados para a população que começou a se acumular na nova capital. Logo ele mudou a função do traçado do Plano Piloto de Brasília, para que houvesse casas geminadas e de poucos andares.

Comércio foi se instalando no espaço que assumia configurações de calçadão | Foto: Arquivo Público do DF/22.4.1960

Nos primeiros anos da capital, a W3 Sul acabou se tornando o centro de Brasília. “O comércio, que seria virado para a W2 no projeto original, acabou virado para a W3 porque ali se tornou o calçadão de Brasília, o centro vivo da cidade”, relata o subsecretário de Patrimônio Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), Felipe Ramón Moura Rodrigues.

De acordo com ele, com o passar do tempo, esse centro se espalhou ao longo das superquadras e do setor comercial. “Depois dos grandes carnavais e desfiles, passamos por um período onde ela [a W3 Sul] teve pouco uso cultural”, ilustra. “Ele [o trecho] continuou existindo sempre, mas era pouco recorrente e com eventos esporádicos”.

De pai para filho

Dono de uma banca de revistas na comercial da 510 Sul, Carlos Nobel de Araújo acompanha a história da W3 Sul desde 1960. Ele resgata lembranças de seus 2 ou 3 anos de idade, quando dormia embaixo do balcão de atendimento e via os vários pés de clientes andando pela loja.

Carlos Nobel Araújo: “Meu pai chegou da Serra de Ibiapaba, do Ceará, sem nada. Aí construiu essa banca, que nos criou e até hoje está aqui para o que der e vier” | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

“Cresci em cima desse balcão e dessas revistas”, conta. “Venho para cá desde bebezinho, meu pai sempre mexeu com isso. Hoje, na W3, somos considerados resistentes, porque a maioria das bancas só quer vender coisas de lanchonete. Então, somos pouquíssimos que ainda vendemos cultura – livros, revistas, vinis, CDs e DVDs.”

Carlos assumiu a loja há dez anos, após o falecimento de seu pai, Antônio Ferreira de Araújo. O livreiro recorda que o pai começou na região antes de existir ao redor qualquer coisa construída e que, na época, era tudo terra.

Seu Antônio trocou um radinho de pilha por um punhado de madeiras e pagou o serviço de um marceneiro para construir um barraquinho. Em seguida, começou a vender revistas: ia às casas e pedia as revistas velhas, trocando cada dois exemplares por um. Depois ele conseguiu uma autorização com o GDF e foi o único permissionário, passando o negócio de pai para filho.

Obras duradouras

“Ele viu a ideia em São Paulo e no Rio, e foi assim que ele começou, criando um sebo”, lembra Carlos. “Meu pai chegou da Serra de Ibiapaba, do Ceará, sem nada. Aí construiu essa banca, que nos criou e até hoje está aqui para o que der e vier.” Para ele, que frequenta a região desde que a W3 Sul era considerada “os olhos de Brasília”, as lembranças são muitas.

[Olho texto=”“As outras obras eram sempre superficiais, sempre rachavam. Agora não vai rachar mais” ” assinatura=”Carlos Nobel Araújo, comerciante” esquerda_direita_centro=”esquerda”]

“Era um formigueiro”, relata. “As pessoas que trabalhavam aqui enriqueciam, porque tinha muita gente, o local de compras era aqui. Era o coração de Brasília. O comércio de meu pai ficava aberto até as 22h. Aí o comércio foi ficando mais variado, as pessoas começaram a migrar para outros lugares, vieram os shoppings. Então, foi caindo. As lojas e os aluguéis foram ficando caros, e o povo [estabelecimentos comerciais] foi fechando por falta de clientes. Com cada vez mais lojas abandonadas, foi ficando deserto.”

Carlos cita a reanimação da avenida após trabalhos recentes empreendidos pelo GDF: “Com essas novas obras, está melhorando bastante, deu até uma aumentada nas vendas. Esse piso na frente das lojas da W3 foi renovado, [bem como] a obra de concretagem onde os ônibus passam. As outras obras eram sempre superficiais, sempre rachavam. Agora não vai rachar mais”.

Repaginada

Entre altos e baixos, a W3 Sul teve seu momento mais triste em 20 de abril de 1997. Quem passa pela praça entre as quadras 703 e 704 percebe uma placa preta com a silhueta de um homem em posição de defesa. O personagem lembrado na obra de arte é Galdino Jesus dos Santos, cacique da tribo Pataxó Hã-hã-Hãe, queimado vivo por jovens de classe média alta enquanto dormia em um ponto de ônibus da W3.

O crime chocou o Brasil e escancarou a realidade da W3 daquela época. A ficha caiu: o que antes era visto como o coração pulsante da área central da capital da República estava se transformando em um local decadente, que só voltaria a ter destaque e atenção do poder público muitos anos depois.

Início das obras que resultariam no viaduto entre a W3 Sul e a W3 Norte: expansão de um projeto bem-sucedido | Foto: Arquivo Público do DF/ 10.7.1975

Desde 2019, o Governo do Distrito Federal (GDF) vem transformando a mais famosa avenida comercial da capital. Na primeira etapa das obras, foram entregues novos estacionamentos, canteiros centrais e novas calçadas no lado comercial da W3 Sul. 

Atualmente, a via passa por obras de mobilidade nas quadras 700, com a construção do pavimento rígido em concreto armado da faixa exclusiva de ônibus. A repaginada no visual já foi feita em várias quadras residenciais e se concentra na altura da 711.

Renovação total

O local, que sofreu com o desgaste do tempo, recebeu melhorias na infraestrutura, dando mais comodidade para quem passa por ali. As calçadas das quadras 500, em frente ao comércio local, que antes eram cheias de buracos e pedras portuguesas soltas, receberam piso novo e com acessibilidade para o trânsito de pessoas com limitações físicas.

[Olho texto=”“Depois que a obra está entregue, a gente recebe muito elogio e agradecimento. Tudo isso valoriza a região, traz mais investimento e novos comércios”” assinatura=”Luciano Carvalho, secretário de Obras” esquerda_direita_centro=”direita”]

A iluminação da W3 Sul foi toda trocada por lâmpadas de LED, o que permite mais claridade para quem passa pela região à noite. Os becos entre os blocos comerciais também receberam melhorias, assim como a via W2, que ganhou uma melhor organização e possibilitou a carga e descarga das lojas sem parar o fluxo dos carros.

As sinalizações de trânsito também foram renovadas, e os estacionamentos estão mais amplos, com acesso facilitado. De acordo com o secretário de Obras do DF, Luciano Carvalho, a W3 era uma demanda antiga dos comerciantes e moradores da região.

“A W3 sempre teve esse protagonismo em relação ao comércio, e tinha perdido muito disso”, afirma o secretário. “Uma área degradada, sem manutenção. Então a gente vem, faz calçadas novas, acessíveis. E são obras difíceis de fazer, porque você faz na porta do comércio. Então, obviamente, o comerciante sempre reclama, nunca quer. Mas, depois que a obra está entregue, a gente recebe muito elogio e agradecimento. Tudo isso valoriza a região, traz mais investimento e novos comércios. Tinha muita loja fechada, e hoje você já não se vê tanto”.

Espaço Renato Russo

Nos últimos anos, a renovação da W3 não foi apenas estrutural, mas também social. Segundo Felipe Ramón, as alterações urbanas na W3 geram um fluxo humano mais eficiente, o que aumenta, consequentemente, a fruição cultural.

O Espaço Cultural Renato Russo, nome que homenageia o líder da Legião Urbana, é ponto icônico da avenida | Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

“Isso é o mais importante, que as pessoas usem aqui [a W3]  não só como uma via de passagem, mas como uma via de vivência”, ressalta. “Aumentando o público que vivencia a cidade de verdade, aumenta o público dos espaços culturais e entra num ciclo virtuoso que só tende a crescer. A região vai tendo um público mais vivo, que se estende até outros horários, tornando a estadia mais segura, então uma coisa vai puxando a outra”.

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A W3 Sul vem se reestruturando e adquirindo o caráter de centro urbano, com um espaço não só de compra, venda e aquisição de mercadoria, mas de convivência também – impulsionado, em grande parte, pelo Espaço Cultural Renato Russo, localizado na 508 Sul.

O centro cultural, além de ter duas galerias de arte, também possui ações formativas desde sua gênese, para que as pessoas não apenas consumam arte, mas também a criem. “Esse é o grande diferencial desse espaço aqui que leva o nome do patrono das artes desta cidade, que é o grande Renato Russo [vocalista e líder do Legião Urbana, falecido em 1996] que residia aqui perto, inclusive, e produzia arte nesta região”, ressalta o subsecretário de Patrimônio Cultural.

“O patrimônio histórico é o que nos mantém enraizados onde vivemos”, avalia Ramón. “É superlegal que a gente esteja falando desse patrimônio que é a W3, que nos mostra de onde a gente veio. E, sabendo de onde a gente veio, a gente pode saber para onde a gente vai”.

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