21/04/2024 às 09:29, atualizado em 21/04/2024 às 10:19

Viva Brasília 64 anos: cidade inspira produção artística local

A arquitetura modernista e a pluralidade cultural são algumas das características apontadas como referências e diferenciais da arte candanga que faz sucesso no Quadradinho e fora dele

Por Adriana Izel, da Agência Brasília | Edição: Vinicius Nader

O céu azul e visível em meio aos prédios baixos da área central de Brasília. O branco do concreto dos monumentos assinados por Oscar Niemeyer. A forma de avião do projeto de Lucio Costa. As águas cristalinas do Lago Paranoá. A geometria dos azulejos de Athos Bulcão. A pluralidade cultural de uma população nascida a partir da migração de povos das cinco regiões do país. Todas essas características singulares da capital federal servem de inspiração e influenciam as diferentes manifestações culturais presentes no Distrito Federal, além de darem uma identidade única à arte candanga.

Quando tinha 20 anos, o escultor Darlan Rosa, 77 anos, veio do interior de Minas Gerais para Brasília. A mudança para a nova capital transformou a identidade das obras do artista plástico, que passou a fazer esculturas em aço inox, parafusadas e vazadas de forma a se conectarem harmonicamente com a cidade. “Se você observar as minhas esculturas, elas partem da geometria da cidade. Minha arte nasceu da interação com Brasília. Tudo que tenho feito e faço parte da ideia da cidade”, explica.

As obras de Darlan Rosa partem da geometria da cidade. “Minha arte nasceu da interação com Brasília”, afirma | Foto: Geovana Albuquerque/ Agência Brasília

Uma das obras mais emblemáticas do artista está no gramado em frente ao Memorial JK, no Eixo Monumental. São sete esculturas em forma de esfera que fazem uma analogia à criação de Brasília, como se a cidade tivesse sido construída em sete dias. Duas delas, inclusive, retratam os dois candangos, símbolo da capital. Além desta, Darlan Rosa tem mais 53 outras obras espalhadas por todo o DF. Todas coexistem com o modernismo local.

“A cidade já é uma obra de arte. Quando comecei a colocar a minha obra não queria que ela fosse muito grande para não contrapor os monumentos de Oscar Niemeyer. Queria que ela fosse uma obra integrada à cidade, que conversasse com as pessoas nas ruas”, completa.

Darlan Rosa: “A cidade já é uma obra de arte. Quando comecei a colocar a minha obra não queria que ela fosse muito grande para não contrapor os monumentos de Oscar Niemeyer” | Foto: Geovana Albuquerque/ Agência Brasília

Formas geométricas

Foram exatamente as ruas de Brasília que forjaram a identidade artística do grafiteiro Toys Daniel, 32. As formas geométricas, os setores, o fato de ser plana e muito limpa tiveram influência direta no traço criado pelo artista, que também se inspirou no pintor, escultor e artista plástico Athos Bulcão, que tem as obras destacadas em azulejos pela cidade.

“Uma das coisas que percebi quando comecei a pintar nas ruas de Brasília é que havia muito concreto, amplitude e o branco dos monumentos. Queria quebrar um pouco disso, daí vieram as cores saturadas – o rosa, o verde e o amarelo – que passei a inserir nessa paleta de Brasília”, comenta.

“Meu traço, meu conceito e minha identidade artística têm tudo a ver com Brasília”

Toys Daniel, grafiteiro

Em quase 20 anos de trajetória, Toys deixou a própria marca por toda a cidade. O grafite do brasiliense é facilmente reconhecido, seja pelas cores vivas que contrastam com os tons sóbrios da cidade, seja pela presença do personagem Toyszim, um boneco amarelo com o nariz em formato de “T”.

O sucesso em Brasília o projetou nacionalmente e internacionalmente. “Se hoje conquistei alguma coisa foi porque pintei nas ruas de Brasília. Então sinto que é um dever e uma obrigação continuar deixando meu trabalho nas ruas como forma de agradecimento. Meu traço, meu conceito e minha identidade artística têm tudo a ver com Brasília”, define o grafiteiro.

Diversidade

Se a arte visual bebe da arquitetura de Brasília, a música pende mais para a diversidade cultural construída a partir de uma população que durante 55 anos teve como maioria pessoas nascidas em outras unidades da federação. A porcentagem de brasilienses entre os habitantes da cidade só mudou em 2018, quando os nascidos na capital ultrapassaram os migrantes se tornando mais de 55% da população local, segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad).

Uma das bandas de pagode da cidade com projeção pelo Brasil, o grupo BenzaDeus apresenta uma sonoridade criada a partir da pluralidade cultural brasiliense. “Entendemos que Brasília ferve cultura do Brasil porque é uma cidade que tem muita gente do país que veio aqui tentar a vida. Naturalmente essas pessoas trouxeram a cultura desses lugares, criando uma mistura multicultural que reflete na música de Brasília”, analisa um dos vocalistas da banda, Vini de Oliveira.

O grupo de pagode BenzaDeus busca inspiração em Brasília | Foto: Tony Oliveira/ Agência Brasília

Desde o início do projeto, em meio à pandemia, o grupo faz questão de abraçar a identidade brasiliense. A começar por dar continuidade ao segmento do samba e do pagode de bandas que nasceram na cidade e passaram a fazer sucesso pelo país, como Menos é Mais e Di Propósito, passando pela referência à cidade no primeiro álbum, o DVD Benza em Brasa. “Soubemos reconhecer quem somos. É Benza em Brasa por nosso pagode ser ‘embrasado’ e também por causa de Brasília, que com suas asas nos leva para outros lugares”, acrescenta o músico.

O reconhecimento da própria origem acabou se tornando um diferencial da banda, que estourou com a faixa Ficar para quê?, que, no YouTube, tem mais de dois milhões de visualizações. “No início não pensávamos alcançar isso [o reconhecimento nacional] e o que possibilitou foi exatamente a cena de Brasília. Percebemos que ao usar a força do movimento da cidade estávamos nos diferenciando dos outros”, completa o músico Das Sortes, que canta e toca surdo no BenzaDeus.

Mesmo com a projeção para além de Brasília, o BenzaDeus continua se apresentando na cidade. Toda quinta-feira a banda faz uma roda no Lounge, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). Às sextas-feiras tem show no Complexo Fora do Eixo, no Setor de Abastecimento e Armazenamento Norte (SAAN). Aos finais de semana, o grupo faz shows nas regiões administrativas, com Sobradinho, Gama, Santa Maria, Ceilândia e Samambaia.

“Quanto mais eu saio, mais me orgulho de pertencer a Brasília. Gosto de desbravar os lugares, enfrentar os desafios e ter Brasília como meu lugar de descanso, a minha casa”

Adriana Samartini, cantora

Como o BenzaDeus, a cantora brasiliense Adriana Samartini teve reconhecimento nacional, mas nunca quis deixar a capital federal. “Primeiro porque é o lugar que meus pais, um carioca e uma mineira, escolheram para construir a nossa família. A nossa base é aqui. Quanto mais eu saio, mais me orgulho de pertencer a Brasília. Gosto de desbravar os lugares, enfrentar os desafios e ter Brasília como meu lugar de descanso, a minha casa”, comenta.

A artista diz que, no início, até foi difícil, porque as principais gravadoras e produtoras estavam no eixo Rio-São Paulo, mas a internet modificou essa relação artística. “Também me inspiro em artistas da cidade, como as bandas Natiruts e Raimundos, que montaram seus escritórios aqui e nunca abandonaram Brasília. Sempre achei isso o máximo”, acrescenta.

Celebração local

Além de amar morar em Brasília, Adriana Samartini coloca no repertório musical as características da cidade e, para ela, esse é o motivo de ter uma carreira consolidada há 18 anos. “Brasília é plural e, como boa brasiliense, tenho essa característica de misturar os gêneros. Hoje é uma tendência, mas no meu caso faz parte da minha identidade de Brasília”, afirma.

Neste ano, ela realizou um sonho antigo: tocar pela primeira vez na programação oficial do aniversário de Brasília. “Essa porta nunca tinha sido aberta, mas veio na hora certa. Digo que será mais um presente para mim do que para Brasília”, completa.

“Os fomentos são essenciais para promover a diversidade cultural no DF. Impulsionamos nossa cultura garantindo que a arte e a expressão cultural alcancem todos os cantos da nossa cidade”

Claudio Abrantes, secretário de Cultura e Economia Criativa

No sábado (20), Adriana Samartini se juntou a outros nomes conectados com a cidade: o DJ Alok, goiano de nascimento, mas que fez carreira na capital federal; e a banda Di Propósito, representante do pagode brasiliense. “Queríamos artistas que tivessem uma ligação forte com Brasília. Mesmo que não morassem aqui, mas que tivessem passado aqui ou tivessem alguma conexão”, revela o secretário de Cultura e Economia Criativa, Claudio Abrantes.

Mais do que reconhecer a produção local no aniversário da cidade, o Governo do Distrito Federal (GDF) contou com fomentos para impulsionar os artistas locais ao longo de todo o ano. Só em 2023 foram investidos R$ 77 milhões por meio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e dos programas Conexão Cultura e de Incentivo Fiscal (LIC).

“Os fomentos são essenciais para promover a diversidade cultural no DF. Impulsionamos nossa cultura garantindo que a arte e a expressão cultural alcancem todos os cantos da nossa cidade. Apoiamos os fazedores de cultura a conquistarem ainda mais espaços, desempenhando um papel crucial no impulsionamento da economia criativa”, defende Abrantes.

21/04/2024 - Viva Brasília 64 anos: cidade inspira produção artística local