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25/04/2019 às 14:11, atualizado em 02/05/2021 às 22:31
Plano urbanístico feito por Lucio Costa e pelos outros arquitetos no concurso do Plano Piloto de Brasília na década de 1950 não foi o único
O plano urbanístico feito por Lucio Costa e pelos outros arquitetos que concorreram ao concurso do Plano Piloto de Brasília na década de 1950 não se constituiu nos primeiros desenhos feitos para a futura capital que seria construída no interior do país. Muito antes de Juscelino Kubitschek ou do famoso comício em Jataí (GO), quando o candidato à Presidência da República se comprometeu a construir a nova capital caso eleito, engenheiros, historicistas, agentes imobiliários e até deputados vislumbravam que o futuro do país seria no Planalto Central e esboçavam desenhos para uma cidade ideal que seria a capital federal do país.
“A partir do momento em que a Comissão Exploradora do Planalto Central vem pra cá em 1894, começam as especulações de como seria a capital”, explica a arquiteta Angelina Nardelli Quaglia, que estuda a história de Brasília há 14 anos. Foram 32 propostas urbanísticas feitas em 30 anos, de 1927 a 1957. Atualmente, 25 delas estão registradas no livro Projetos para Brasília: 1927 – 1957, escrito por Jeferson Tavares em 2014.
No livro, Jeferson Tavares analisa os projetos, identifica os autores, os principais colaboradores e suas possíveis referências e matrizes urbanísticas. “É possível identificar em todos os projetos para a nova capital o reflexo dos anseios de uma geração. Os planos para Brasília construíram-se por meio das mais inusitadas referências e com a finalidade de conceber um projeto ideal que se moldasse à especificidade de uma cidade administrativa”, relata.
Os projetos são divididos em dois grupos: os elaborados nas décadas de 1920 e 1940 (cinco projetos) e os do Concurso do Plano Piloto (criados em 1956 e 1957). As primeiras propostas urbanísticas para Brasília vinculam-se aos interesses imobiliários despertados na região onde viria a ser erguida a nova capital. As últimas propostas foram feitas por profissionais e já carregam aspectos urbanos de uma cidade.
Planópolis – 1927
Nas comemorações do Centenário da Independência, em 1922, o presidente Epitácio Pessoa autorizou a colocação da Pedra Fundamental da Nova Capital como atitude simbólica de sua inauguração. Apesar das comemorações não terem resultado em soluções práticas para a transferência, houve valorização das terras da região, principalmente aquelas próximas a Planaltina, cidade que já existia.
O projeto é de 1927 e não tem autor identificado. Trata-se de parte de um registro de imóveis de lotes em Planaltina. O loteamento chamava-se Planópolis e foi feito por interessados nos possíveis lucros com a venda das terras, sem nenhuma ligação com o interesse público.
A Cidade Histórica da América – 1929
A segunda proposta é de 1929 e foi elaborada pelo brasilianista Theodoro Figueira de Almeida como parte das comemorações do centenário do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Foi publicada no ano seguinte no jornal A Ordem, do Rio de Janeiro. Com o título Brasília, a cidade histórica da América, o projeto lembra o casco de uma tartaruga.
A Brasília de 1929 tem uma trama urbana quadriculada, com grandes avenidas que terminam em grandes praças, e toda a cidade é contornada por grandes alamedas e estradas. Em formato circular, previa uma cidade que começava com uma praça (chamada de Praça da República), de onde partem as principais malhas ortogonais e diagonais. A cidade termina em uma grande avenida perimetral. O desenho incorpora a forma tradicional de cidade fechada, com grandes eixos monumentais e uma malha diagonal sobrepondo-se à malha reticulada.
“Lembra Belo Horizonte, que é do final do século 19, quando predominava esse desenho fechado influenciado por Washington e os desenhos clássicos de Versalhes, São Petesburgo, Carlsburg, feitos do período absolutista”, afirma o arquiteto e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) José Carlos Córdova Coutinho.
Carmen Portinho – 1936
Em 1936, a engenheira Carmen Portinho apresentou um projeto para a nova capital à Universidade do Distrito Federal para obtenção do título de urbanista. Avançado ao pensamento nacional de planejamento urbano da década de 1930, esse material sintetiza as principais teorias do período, adequando-as às condições brasileiras. Define um modelo de cidade moderna, ao confluir o racionalismo técnico às adaptações nacionais.
O desenho de Carmen lembra um transatlântico e teria de ser construído em um território maior que um avião — ela planejou uma capital para 2 milhões de habitantes. Os edifícios localizavam-se bem próximos às nascentes dos rios existentes, afluentes do Paranoá, estabelecendo – entre todos os projetos – a relação de maior proximidade com o potencial hidrográfico da região.
O transatlântico projetado pela engenheira era setorizado de acordo com usos e densidades específicas. Zonas residenciais, centro de negócios, centro cívico, centro cultural, parques, zona de transporte, setor de hotéis e embaixadas e zona industrial. “É um projeto mais elaborado, de uma época em que havia um grande debate sobre o urbanismo com influência do Le Corbusier. Já havia uma teoria do urbanismo que influenciava muito essa relação com o lado de fora da cidade e buscando uma informalidade relativa com outros critérios de organização”, afirma o professor Coutinho.
Jales Machado – 1948
O projeto de 1948, do deputado federal Jales Machado de Siqueira, não é exatamente um esboço de cidade. É uma proposta de malha rodoviária ligando todo o país à capital federal, quando ela fosse construída. Mineiro radicado em Goiás, deputado federal pela UDN, topógrafo, fazendeiro, construtor de usinas hidrelétricas, Jales Machado esboçou um extenso plano viário, com vias perimetrais e radiais, e propunha meios de conseguir recursos para as obras rodoviárias e de construção da cidade a partir da combinação de capital público e privado.
Ele usou a proposta em um pronunciamento a favor da transferência da capital federal para o Planalto Central. Na época, discutia-se no Brasil a necessidade do planejamento territorial como forma de promover e controlar o crescimento das regiões. Com o entrelaçamento viário, ele mostrava que a cidade não ficaria isolada do restante do Brasil, como temiam os que se opunham à ideia.
Vera Cruz – 1955
Elaborado a pedido do marechal José Pessoa, presidente da Comissão de Localização da Nova Capital do Brasil, menos de um ano antes da publicação do edital que lançou o concurso para a escolha do Plano Piloto de Brasília. Foi feito por três dos mais respeitáveis engenheiros brasileiros da época, Raul Penna Firme, Roberto Lacombe e José de Oliveira Reis, em um “Estudo Preliminar para a cidade de Vera Cruz, futura capital do Brasil”.
O projeto comprovou a viabilidade de implantação de uma cidade no Planalto Central e é a primeira iniciativa concreta de planejamento da cidade promovida pelo governo federal. Ao mesmo tempo em que encerra as fases de proposições particularizadas, inicia o processo oficial da concepção de Brasília. Para arquitetos e urbanistas, o projeto lembra Brasília: já tem o cruzamento de duas vias e áreas reservadas para o centro governamental, centro cívico e parques. Mas as quadras seguem planejadas em espécies de quadradinhos.
“É uma malha romana, uma quadrícula, que é a forma de projetar uma cidade em quarteirões convencionais, como faziam os romanos, os espanhóis e portugueses”, analisa a arquiteta Angelina Nardelli Quaglia.
Concurso do Plano Piloto
Juscelino Kubitschek toma posse em 1956 com a promessa de construir a capital. O presidente, que já havia trabalhado com Oscar Niemeyer em Belo Horizonte, queria que o arquiteto fizesse o projeto da capital, que deveria ser moderno. Mas, com a alegação de que não era urbanista, Niemeyer sugeriu a realização do concurso, cujo edital foi lançado em 30 de setembro de 1956. O edital dava aos participantes o mapa do Planalto Central com previsão da existência do lago Paranoá e a localização da pista do aeroporto, do Palácio da Alvorada e do Brasília Palace.
No total, 62 concorrentes se inscreveram, mas apenas 26 equipes entregaram o projeto. A maioria dos projetos foi feita em grupo ou por arquitetos ligados a construtoras. Lucio Costa, do Projeto 22, se escreveu sozinho, e arquitetos contam que ele, com a ajuda da filha Maria Elisa Costa, entregou a proposta em cima da hora. Ele é anunciado vencedor do concurso em 16 de março de 1957. O Memorial do projeto de Lucio Costa está dividido em 23 pontos e apresenta ilustrações em croquis, além de um mapa completo com o plano da cidade.
O júri fez pequenas críticas a Lucio Costa, como a demasiada quantidade de terra entre o centro governamental e o lago, o fato de a cidade ficar muito próxima ao aeroporto e a não especificação do tipo de estradas regionais, especialmente com relação a possíveis cidades-satélites. Mas ele recebeu elogios por ser claro, direto e fundamentalmente simples, por ter o espírito do século 20: ser novo, livre e aberto, disciplinado, sem ser rígido e por ser facilmente compreendido.
“O projeto de Lucio Costa ganhou porque era o que melhor solucionava as necessidades do governo. Ele era moderno, inusitado, trazia a monumentalidade, dividia muito bem a cidade e, além disso, o memorial é belíssimo. O texto dele justifica, sem muita frescura, todas as coisas que ele quer para a cidade”, diz Angelina Nardelli Quaglia. “O dele era o melhor projeto, o que melhor conciliava os aspectos funcionais, os aspectos cívicos da capital do país, com os estéticos. Havia outros projetos muito bons, mas o do Lucio é excelente” elogia Coutinho.
[Olho texto=”Não pretendia competir e, na verdade, não concorro — apenas me desvencilho de uma solução possível, que não foi procurada, mas surgiu, por assim dizer, já pronta” assinatura=”Lucio Costa” esquerda_direita_centro=”centro”]