Ações itinerantes do GDF incentivam leitura e levam conhecimento para comunidades
É em uma pracinha tradicional no Guará, debaixo de um abacateiro, que a criançada deixa de lado os tablets e celulares para dar espaço à leitura à moda antiga. Com uma estante repleta de exemplares e livros nas mãos, a tia Meg, como Margarete Neres é conhecida entre os pequenos, entra em ação por meio do programa Mala do Livro, da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF). Criada há 33 anos, a iniciativa hoje está presente em todas as regiões administrativas do DF para levar conhecimento e estimular a leitura entre as comunidades da capital. A biblioteca itinerante estaciona em praças, igrejas, associações, hospitais e até unidades prisionais, permitindo que o acesso à leitura ultrapasse as paredes de bibliotecas convencionais. O projeto Mala do Livro estimula a leitura entre as comunidades da capital | Fotos: Geovana Albuquerque/Agência Brasília Tudo isso é possível por meio de pessoas cadastradas na Secec-DF que colocam a iniciativa em prática na rua ou na comunidade onde moram. Hoje a pasta conta com 197 voluntários, os chamados agentes de leitura, que transformam suas residências em bibliotecas domiciliares. Margarete Neres é uma delas. Pedagoga de formação, ela já é conhecida entre os vizinhos da QE 4 do Lúcio Costa, no Guará, por abrigar dentro de casa um diverso acervo de livros para todas as idades. “A gente tem os exemplares da Mala do Livro e ainda tem o meu acervo pessoal que deixo aqui para fazer empréstimo a quem precisa. Sempre abrimos as portas daqui de casa para receber o público, pegar livros e ter essa experiência com a leitura”, ressalta. Leitura na praça Na época da seca, Margarete Neres conta histórias, com direito a fantoches, debaixo de um abacateiro, em praça pública “Uma vez por mês, no período de estiagem, a gente faz o Histórias na Praça, que é quando levamos todo esse acervo, tapetes e fantoches para fazer a leitura de livros debaixo do abacateiro que tem na pracinha aqui perto de casa. As crianças adoram e a gente tem apoio da comunidade, como a associação de moradores do Lúcio Costa, para fornecer lanches e dar o suporte necessário”, conclui Margarete. Além da leitura, o evento no Guará apresenta uma atração especial: o palhaço Canudinho, interpretado por Cláudio Moraes. “A palhaçaria atiça a curiosidade das crianças. Elas riem, brincam e, sem perceber, se aproximam dos livros. Eu fico extremamente contente de poder estimular isso nelas, de mostrar que a leitura também pode ser divertida”, afirma Cláudio. Entre os pequenos frequentadores está Luna Rodrigues, de 7 anos, que não esconde a empolgação com o Histórias na Praça. “A parte da leitura é a minha preferida. A tia lê e conta histórias, e eu acho que todas as crianças deveriam gostar de ler também”, diz. Luís Felipe Marques Braga: “No livro tem coisas que nem aparecem na Netflix” Já Luís Felipe Marques Braga, de 10 anos, descobriu na leitura um mundo que vai além do que ele vê na televisão. “Eu gosto de ler mangá. No livro tem coisas que nem aparecem na Netflix. É diferente estar lendo e a pessoa estar falando, tem mais detalhes”, comenta. “Eu ficava de olho na janela lá de casa. Quando a tia chegava na praça, eu falava para a mamãe: ‘bora lá na pracinha para a gente ver a história’. É muito legal. A tia Margarete botava suco e lanche também”, elogia o pequeno Luiz Felipe Souza, 7 anos. Uma história entre gerações Criado em 1991, o Mala do Livro começou como um desafio enfrentado pela bibliotecária Neusa Dourado: levar livros para comunidades que não tinham acesso a bibliotecas públicas. Inspirada em um modelo francês de bibliotecas domiciliares, Neusa criou um sistema em que moradores se tornavam agentes de leitura, emprestando livros em suas próprias casas. A filha de Cláudia Lucena participou do Mala do Livro na infância e, hoje, participa de debates sobre literatura: “Tudo começou nesse ambiente” A servidora pública Cláudia Lucena, 56 anos, acompanhou a evolução do programa desde que Margarete começou com a biblioteca domiciliar. “Minha filha hoje tem 22 anos e ela cresceu participando do programa. O incentivo que ela recebeu aqui foi fundamental. Desde criança, ela sempre esteve envolvida com literatura e arte. Hoje, participa de encontros culturais e tem grupos de amigos que escrevem e debatem sobre livros. Tudo começou nesse ambiente”, compartilha. A Mala do Livro está disponível em todas as regiões do Distrito Federal. Com um acervo de aproximadamente 100 mil livros, a iniciativa já impactou mais de um milhão de pessoas. Para a gerente do programa, Maria José Lira, esse trabalho vai muito além do simples empréstimo de livros. “A Mala do Livro conta muitas histórias, mas também cria novas. Estamos sempre buscando maneiras de levar a leitura a todos os espaços possíveis nas praças, nas casas, nos hospitais ou até em unidades prisionais”, ressalta Maria José.
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Premiação reconhece dedicação de agentes da Mala do Livro
Quando o professor Aurélio Oliveira Marques nasceu, o Programa de Extensão Bibliotecária Mala do Livro já contava seis anos. Hoje, aos 26, o morador de Samambaia é agente de leitura desde 2008. Ele e mais 99 voluntários foram contemplados com R$ 5 mil em edital de premiação lançado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) no final de 2021, cujo objetivo foi valorizar o trabalho e a dedicação desses profissionais. Maria José Lira, gerente da Mala do livro, trabalha com o projeto desde seu surgimento | Foto: Divulgação/Secec Para além dos R$ 500 mil aportados em prêmios, a pasta também investiu R$ 1,2 milhão na capacitação desses agentes. Aurélio e outros voluntários premiados falam, com emoção, sobre a mais bem-sucedida política pública de estado no incentivo à leitura na periferia e entorno da capital federal. “É que participo da Mala do Livro desde a mais tenra idade”, justifica o professor. Ele era leitor assíduo na biblioteca domiciliar de uma pioneira das bibliotecas domiciliares de Samambaia, Maria das Dores. “A Mala proporcionava vários momentos educativos e culturais”, explica ele, referindo-se a oficinas de contação de histórias, gincanas de leituras, passeios, sessões de cinema no Cine Brasília e feiras de livros. [Olho texto=”“A premiação representou um reconhecimento pelo trabalho árduo de tantos anos, em favor do livro e da leitura”” assinatura=”Marluce Franklin, agente da Mala do Livro desde 1994″ esquerda_direita_centro=”direita”] “Eram atividades que ficavam no Plano Piloto, longe da periferia. Eu me sentia muito privilegiado em fazer parte disso. E a gente hoje sabe que a Mala do Livro tem essa capilaridade, democratizando acesso à alfabetização e ao livro”, testemunha. A gerente da Mala do Livro, Maria José Lira Vieira, que trabalha com a iniciativa desde seu surgimento, homenageia a “das Dores” citada por Aurélio, também premiada no edital da Secec: “Ela sempre buscou se aperfeiçoar para oferecer melhorias para os leitores. Fez até curso de dinamização, iniciação teatral e arte de contar histórias. Muito guerreira, carrega uma filha deficiente nas costas e trabalha com muito prazer”. Aurélio entende que o prêmio representa o reconhecimento pelo trabalho voluntário e é uma motivação para que as pessoas continuem a realizar essas ações. “Apesar do formato de prêmio individual, os recursos acabam beneficiando a comunidade como um todo”, acredita. Transformação Marluce Franklin, de Sobradinho, afirma que “a premiação representou um reconhecimento pelo trabalho árduo de tantos anos, em favor do livro e da leitura”, ações que considera “transformadoras”. Ela viu a metamorfose na própria vida. Agente desde 1994, está concluindo graduação em biblioteconomia. “Nas bibliotecas domiciliares, a maioria em nossas residências, pudemos ver jovens, crianças, adolescentes e adultos mudando suas vidas, transformando realidades, alcançando crescimento pessoal por meio do conhecimento”, testemunha com entusiasmo. Marluce, que está à frente da Associação dos Agentes de Leitura e contadores de estórias (Aaconte), com 98 agentes associados para buscar capacitação dos envolvidos, atua na Fercal, Sobradinho II e em regiões mais distantes, “como nos assentamentos, onde não existem bibliotecas nem qualquer estrutura pública da cultura”. Ela diz que os agentes representados na Aaconte vinham reivindicando editais para qualificar o trabalho deles desde 2014. “A capacitação melhora nosso trabalho junto à comunidade. O secretário Bartolomeu Rodrigues é um divisor de águas em nossa história, por nos atender, nos acolher, nos dar voz”, afirma. A agente conta que decidiu participar da Mala do Livro por gostar de ler e também por querer fazer algo para se contrapor à violência na própria região. Suas ações na divulgação do livro geraram interesse na comunidade e a casa dela ficou pequena para receber os leitores, pois a biblioteca domiciliar também passou a emprestar livros para os alunos do ensino médio que participam do Programa de Avaliação Seriada (PAS) e precisam ler as obras indicadas para o acesso à Universidade de Brasília (UnB). Isso a levou a mobilizar a comunidade para a construção de uma biblioteca na região administrativa. [Olho texto=”“Acredito que por meio da leitura e dos livros pode haver transformação social e, consequentemente, uma sociedade mais justa”” assinatura=”Edson Cavalcante de Araújo, agente há 14 anos” esquerda_direita_centro=”esquerda”] Público jovem Edson Cavalcante de Araújo, agente há 14 anos e também premiado, aposta no livro como fator de desenvolvimento: “acredito que por meio da leitura e dos livros pode haver transformação social e, consequentemente, uma sociedade mais justa”. “A premiação é uma forma de reconhecimento por parte da Secretaria de Cultura e tem um significado muito importante não só para mim, mas para todos os agentes de leitura do programa”, opina. Na casa dele, antes da pandemia, ele atendia a média de 20 a 30 crianças por mês. Com o avanço da vacinação, seu público começa a voltar. Cita o caso de Lara Neres, 10 anos, que mal saiu do posto de saúde e deu o ar da graça. “Ela gosta de contos de fada, ação e lê até quatro livros por mês”, relata Edson. Douglas Gomes Bezerra, agente da Mala do Livro há 5 anos | Foto: Divulgação/Secec Dignidade A advogada Alana Barros Siqueira Duarte considera a premiação “o reconhecimento para uma classe que até então não era lembrada, apesar de sua grande importância para a sociedade”. Agente desde 2012, ela conheceu o programa por meio de uma amiga, o que mostra a força do boca a boca na propagação da Mala, uma caixa de madeira que se converte em estantes para cerca de 200 livros. “Eu decidi participar desse lindo trabalho, pois sempre achei essencial a continuidade do conhecimento através da leitura, e como agente de leitura podemos transformar vidas, trazer novas esperanças e crescimento intelectual e de caráter para uma sociedade que tem caminhado para o esquecimento dos livros”, justifica. A biblioteca domiciliar funciona na casa da advogada, mas ela geralmente trabalha em conjunto com o marido no atendimento a moradores de rua três vezes na semana com alimentação, vestuário, com o banheiro sobre rodas e livros “para que eles venham a se sentir dignos”, enfatiza. Diálogos O músico Douglas Gomes Bezerra, morador do Guará, é agente da mala há cinco anos. Também premiado, diz que decidiu participar porque já tinha uma pequena biblioteca em sua escola de musicalização, onde ensina guitarra, violão e outros instrumentos. Em busca de livros, Douglas conta que ele recebe entre 10 a 20 pessoas por dia. Ele não tem dúvida sobre a convergência entre a música e as letras e se arrisca a sugerir que a Mala do Livro busque ampliar os diálogos no campo das humanidades. “Devemos continuar fazendo uma ótima gestão desse legado, na luta para o livro chegar na mão de todos”, advoga. [Olho texto=”Neste momento, a Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) estuda a encomenda de mais caixas para atender a uma demanda reprimida. Há quase uma centena de candidatos a acolher bibliotecas domiciliares” assinatura=”” esquerda_direita_centro=”esquerda”] Agentes de leitura Neste momento, a Biblioteca Nacional de Brasília (BNB), que gerencia a Mala do Livro, estuda a encomenda de mais caixas para atender a uma demanda reprimida. Segundo Maria José, há quase uma centena de candidatos a acolher bibliotecas domiciliares. “Temos esse cadastro de reserva com inscritos preparados para receber a Mala. Um agente ou uma agente recebe capacitação e precisa ter a predisposição de receber a minibiblioteca. Avaliamos o perfil da pessoa, o espaço de que dispõe, seu interesse por livros e a capacidade de prestar o devido atendimento ao público”, explica a gerente. Para tornarem-se agentes, os interessados devem se inscrever na gerência do programa em maladolivro@gmail.com *Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa
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