Inovação e cuidado: projeto apoiado pela FAPDF propõe modelo para fortalecer saúde emocional estudantil
O aumento de sintomas como ansiedade, depressão, irritabilidade, uso abusivo de telas e ideação suicida entre adolescentes tem mobilizado escolas e famílias em todo o país. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o suicídio está entre as principais causas de morte de jovens de 15 a 29 anos, o que reforça a necessidade de ações preventivas que fortaleçam fatores de proteção desde a escola. Nesse cenário, a professora Kátia Vanessa Pinto de Meneses, do curso de Terapia Ocupacional da Universidade de Brasília (UnB), coordena o projeto "Educação existencial e sentido para a vida", apoiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF), por meio do edital Demanda Espontânea (2022), desenvolvido em escolas públicas do Distrito Federal. A iniciativa parte da premissa de que ajudar adolescentes a reconhecer valores pessoais, elaborar experiências difíceis e construir projetos de vida com significado reduz a vulnerabilidade ao sofrimento emocional e a comportamentos de risco. “Os adolescentes estão entre os grupos mais vulneráveis ao sofrimento silencioso. A intervenção busca ampliar a percepção de sentido da vida, fortalecendo fatores de proteção que previnem tédio, apatia, desesperança e impulsividade”, explica a pesquisadora. Baseada na Logoterapia, abordagem criada pelo psiquiatra e neurologista austríaco Viktor Frankl, a metodologia adapta conceitos existenciais — como liberdade, responsabilidade, sofrimento e propósito — para atividades pedagógicas que incluem diálogos socráticos, narrativas, fábulas, metáforas e dilemas morais. A linguagem e o formato foram ajustados para estudantes mais jovens, com dinâmicas curtas, exemplos concretos e espaços seguros de reflexão. A iniciativa parte da premissa de que ajudar adolescentes a reconhecer valores pessoais, elaborar experiências difíceis e construir projetos de vida com significado reduz a vulnerabilidade ao sofrimento emocional e a comportamentos de risco | Fotos: Arquivo Pessoal Fundamentação pedagógica e adaptação da metodologia para adolescentes mais jovens A intervenção desenvolvida pela Universidade de Brasília (UnB) tem origem em um modelo metodológico elaborado por Thiago Aquino, autor do livro Sentido da Vida e Valores no Contexto da Educação: Uma Proposta de Intervenção à Luz do Pensamento de Viktor Frankl, que inicialmente foi aplicado a estudantes mais velhos, com maior capacidade de abstração e autorregulação. Para ser implementada no ensino fundamental, a equipe precisou adaptar a proposta, preservando sua coerência teórica e seu rigor metodológico, mas respeitando as características cognitivas e emocionais da adolescência inicial. A versão revisada mantém os princípios centrais da intervenção — reflexão existencial, discussão de valores e exploração do sentido da vida — porém reorganiza sua forma de apresentação para torná-la acessível a estudantes mais jovens. As adaptações incluem linguagem mais simples, atividades mais curtas e lúdicas, exemplos próximos da realidade escolar e o uso de narrativas que facilitam a identificação imediata. Essas escolhas dialogam com teorias construtivistas e socioemocionais, reconhecendo que muitos dos processos de elaboração simbólica ainda estão em desenvolvimento nessa fase. Do ponto de vista emocional, a metodologia considera a menor capacidade de autorregulação típica desse período, oferecendo atividades que promovem segurança, acolhimento e expressão guiada de sentimentos. Assim, os conteúdos existenciais tornam-se não apenas compreensíveis, mas também eticamente adequados e emocionalmente manejáveis. Nesse processo, o projeto mobiliza estratégias pedagógicas amplamente reconhecidas na educação humanista e socioemocional: os diálogos socráticos estimulam questionamentos abertos e construção ativa de sentido; as analogias tornam conceitos abstratos mais concretos e próximos da experiência cotidiana; as fábulas funcionam como espaços simbólicos seguros, permitindo projeção emocional sem exposição direta; os dilemas morais incentivam o raciocínio ético, a consideração de diferentes perspectivas e o desenvolvimento de critérios internos de decisão. Em conjunto, essas estratégias fortalecem autoconhecimento, reflexão crítica, autonomia moral e propósito — pilares essenciais do desenvolvimento integral. O componente qualitativo aprofundou aspectos que os números não revelam: narrativas, desenhos, produções escritas e falas espontâneas revelaram nuances existenciais, ampliação da consciência de valores, mudanças na linguagem e maior clareza sobre projetos pessoais Avaliação integrada e análise multicamadas Para mensurar os efeitos da intervenção, o estudo adotou um delineamento quanti-qualitativo, com sorteio das turmas entre grupo experimental e grupo controle e aplicação de pré e pós-teste. A escolha metodológica permitiu captar mudanças mensuráveis e transformações subjetivas de forma conjunta e rigorosa. No componente quantitativo, instrumentos padronizados avaliaram sentido da vida, afetos positivos e negativos e percepção de valores. A pesquisa utiliza o Questionário de Sentido da Vida, ferramenta validada internacionalmente que mensura dimensões como presença de propósito, clareza de metas, coerência existencial e engajamento na busca por sentido. O instrumento é fundamental para identificar mudanças pré e pós-intervenção no processo de amadurecimento emocional dos estudantes. O componente qualitativo aprofundou aspectos que os números não revelam: narrativas, desenhos, produções escritas e falas espontâneas revelaram nuances existenciais, ampliação da consciência de valores, mudanças na linguagem e maior clareza sobre projetos pessoais. “Os dados quantitativos mostram a mudança. As narrativas mostram o caminho. Precisamos dos dois para compreender como o estudante elabora sentido, reconhece valores e transforma a forma de olhar para a própria vida”, destaca Kátia Meneses. A combinação das duas abordagens reforça que fenômenos como propósito, identidade e bem-estar emocional só podem ser avaliados de forma completa quando números e experiências dialogam. A metodologia também reduz interferências externas e aumenta a robustez dos achados. Impacto para políticas públicas e o papel estruturante da FAPDF Com maior clareza de propósito e capacidade de autorregulação, adolescentes tendem a apresentar menos comportamentos impulsivos e agressivos, contribuindo para a redução de conflitos e episódios de violência Os resultados demonstram que fortalecer o sentido de vida dos estudantes produz efeitos concretos no clima escolar. Com maior clareza de propósito e capacidade de autorregulação, adolescentes tendem a apresentar menos comportamentos impulsivos e agressivos, contribuindo para a redução de conflitos e episódios de violência. O engajamento escolar também cresce. Quando os estudantes compreendem o valor da escola para seus projetos pessoais, passam a se envolver mais nas atividades, demonstram maior persistência e ampliam foco e organização — favorecendo a aprendizagem. Para o presidente da FAPDF, Leonardo Reisman, esse impacto evidencia como a ciência aplicada transforma realidades educacionais: “A pesquisa mostra que, quando oferecemos aos estudantes instrumentos para compreender quem são e o que valorizam, fortalecemos não apenas a saúde emocional, mas também a convivência, o engajamento e o desempenho escolar. Ciência de qualidade salva vidas e orienta políticas públicas, e a FAPDF vai continuar apoiando iniciativas que façam essa diferença", ressalta. “A pesquisa mostra que, quando oferecemos aos estudantes instrumentos para compreender quem são e o que valorizam, fortalecemos não apenas a saúde emocional, mas também a convivência, o engajamento e o desempenho escolar" Leonardo Reisman, presidente da FAPDF Além de viabilizar a intervenção, o financiamento da FAPDF permitiu a criação de vídeos, cartilhas, guias pedagógicos e manuais destinados à formação docente, com envolvimento de designers, editores e consultores pedagógicos. “O aporte da FAPDF tornou possível a criação de materiais didáticos físicos e digitais destinados à formação de professores, incluindo vídeos, cartilhas, guias pedagógicos e manuais de orientação”, destaca a pesquisadora. Essa estrutura tem potencial para integrar a metodologia ao Plano Distrital de Prevenção do Suicídio, à formação continuada de professores e a fluxos intersetoriais escola–saúde. A pesquisa também contribui para a criação de sistemas de monitoramento com indicadores de bem-estar emocional, engajamento, convivência e redução de comportamentos de risco. Expansão da metodologia e construção de uma política educacional continuada Com os resultados da fase piloto, o projeto prevê a ampliação da metodologia para outras escolas e níveis de ensino. Protocolos, materiais didáticos e guias de formação estão sendo estruturados para permitir replicação em diferentes faixas etárias, preservando rigor e sensibilidade ao tratar de temas existenciais complexos. A expansão inclui versões simplificadas para estudantes mais jovens, materiais aprofundados para o ensino médio e recursos específicos para apoiar o trabalho docente. A formação continuada é central nesse processo: ao formar multiplicadores, o projeto fortalece a autonomia das escolas na prevenção do vazio existencial e na promoção de bem-estar emocional. A estratégia também envolve articulação com gestores educacionais e integração da metodologia a políticas já existentes — como saúde mental escolar, convivência e currículos socioemocionais. Com evidências consolidadas e relatórios técnicos, o modelo pode se tornar política pública estruturante no DF. Novas linhas de pesquisa e inovação científica para o DF Ao integrar terapia ocupacional, psicologia, pedagogia, neurociências e tecnologia educacional, o projeto abre caminho para políticas educacionais mais robustas, humanas e sustentadas por evidências científicas Os achados abrem caminho para novas investigações voltadas ao sentido de vida, ao bem-estar e à convivência escolar. Uma das frentes é o desenvolvimento de intervenções digitais — aplicativos, plataformas gamificadas e ambientes virtuais que apoiem os estudantes na reflexão sobre valores, emoções e propósito. [LEIA_TAMBEM]Outro eixo envolve formação continuada de professores, investigando estratégias eficazes, modelos híbridos de capacitação e comunidades de prática. Há também potencial para criação de programas curriculares que integrem propósito, valores e saúde emocional à educação básica. Além disso, estudos longitudinais podem acompanhar trajetórias de sentido de vida, analisar impactos da intervenção em grupos específicos — como jovens com TDAH, dificuldades de aprendizagem ou alta vulnerabilidade social — e aprofundar relações entre sentido da vida, clima escolar e prevenção de comportamentos de risco. Ao integrar terapia ocupacional, psicologia, pedagogia, neurociências e tecnologia educacional, o projeto abre caminho para políticas educacionais mais robustas, humanas e sustentadas por evidências científicas. *Com informações da FAPDF
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Manual de Assistência para Centros de Atenção Psicossocial é lançado
O mês de março marcou o lançamento do Manual de Assistência dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). O documento apresenta diretrizes e orientações participativas para elevar a qualidade da assistência em saúde mental e unificar os serviços na área. O documento está disponível no site da pasta e no Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Gestores e servidores de saúde mental colaboraram com a construção do manual. Os profissionais buscaram assegurar uma abordagem participativa e a representação das práticas diárias dentro dos centros psicossociais. “Essa participação ativa garante que o documento seja relevante e aplicável à realidade cotidiana de quem está na ponta, resultando em uma prática mais eficiente e humanizada”, avalia a diretora de Serviços da Saúde Mental, Fernanda Falcomer. Documento traz diretrizes para elevar a qualidade da assistência em saúde mental e unificar os serviços na área | Foto: Sandro Araújo/Agência Saúde-DF A expectativa, segundo ela, é que as diretrizes e orientações contidas no manual alcancem todos os profissionais envolvidos, fortalecendo a rede de assistência psicossocial e beneficiando diretamente os pacientes. A gerente da unidade da Asa Norte, Maírla Castro, afirma que foi um trabalho feito por muitos. “Todas as equipes puderam refletir sobre os processos de trabalho. O trabalho de um centro psicossocial é extremamente desafiador e complexo. Sempre apaixonante, mas muito singular”, diz. *Com informações da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF)
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